Nuevos Paradigmas de las Ciencias Sociales Latinoamericanas issn 2346-0377

vol. II, n.º 4, julio-diciembre 2011, Andrei Koerner. pp. 75 a 112

Aula 4: El análisis de las políticas de la ley, el poder judicial y la doctrina jurídica1

Andrei Koerner*

 

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Class 4: The policy analysis of law,

the judiciary and the legal doctrine

 

Resumen

 

Este trabajo toma como punto de partida una proposición que permite sugerir algunos caminos posibles para indagar por las relaciones entre derecho y política. Se toma como objeto de análisis las propias reflexiones de los juristas y a partir de ellas, se adopta un punto de vista externo.

 

Palabras clave: Política, Derecho, Constitución, Relaciones entre derecho y política.

 

Abstract

 

This work takes as a starting point a proposition that allows to suggest some possible paths to exam the relations between law and politics. It takes as an analysis object the concepts of advocates, and from there, it takes and external point of view.

 

Keywords: Politics, Law, Constitution, Relations between law and politics.

 

Fecha de presentación: 22 de junio de 2011. Revisión: 13 de julio de 2011. Fecha de aceptación: 3 de septiembre de 2011.

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Introdução

 

Este capítulo toma como ponto de partida uma proposição, que permite sugerir algumas abordagens possíveis para pesquisar as relações entre direito e política: “a discussão técnica no direito é política”. Pode-se tomar como objeto da análise política os próprios termos da reflexão dos juristas, e não adotar um ponto de vista externo, que seja indiferente a ela. Essa perspectiva trabalha as diferenças entre o tipo de trabalho do jurista e do cientista político e propõe que ambas se beneficiem de suas influências mútuas no desenvolvimento de suas problemáticas e estratégias de pesquisa. Serão tratados os seguintes pontos: 1. Explorações das relações entre constituição, direito e política, com ilustrações sobre o direito brasileiro do século xix; 2. Análise crítica de teses em ciência política que aplicam os conceitos de judicialização e ativismo à pesquisa sobre o Supremo Tribunal Federal (stf) e o Judiciário no Brasil; 3. Uma ilustração sobre a necessidade de formular as pesquisas sobre novas bases: a evolução do controle da constitucionalidade no Brasil. O objetivo é mostrar o potencial analítico de uma abordagem que, por um lado, adote um enfoque historicamente situado para a análise das relações entre direito e política, e, por outro lado, analise teorias, conceitos e técnicas jurídicas de forma combinada com as relações estratégicas entre juízes e outros agentes políticos.

 

Explorações

 

Como pensar as relações entre direito e política? Uma primeira concepção pensa essas relações como de subordinação do direito à política Nesta concepção, o direito passa a ser representado como a expressão contingente da vontade do soberano, de forma que o direito estaria contido na política. Sob o que é chamado direito, quando são eliminadas todas as mediações, resta em última instância a vontade política. Isso não está presente apenas no pensamento tipicamente absolutista, em que o rei é a encarnação da soberania, a fonte última da ordem e da justiça, em função de cuja vontade se ordenam as relações no espaço territorial. O direito é como que a expressão contingente da vontade do soberano. Uma representação desse tipo também está presente no pensamento liberal do século xix, como em John Austin, discípulo de Bentham, jurista inglês do século xix, que representa o direito como ordens emanadas pelo soberano.

Uma segunda concepção opõe o direito à política, como se fossem dois domínios separados Uma expressão que representa esta concepção é a de que o quando começa o poder, o direito fica em suspenso. O direito estaria no âmbito da razão, das normas, da generalidade, com um pensamento estruturado e uma concepção sistêmica e autônoma. Do outro lado, a política seria esse mundo caído, da vontade de dominação, das paixões, dos interesses mesquinhos inconfessáveis, da vulgaridade, ilustrado pelo espetáculo deprimente dos escândalos, da corrupção e da violência que se vê na mídia. É como se o direito fosse da ordem da alma e a política do corpo. Essa oposição está presente num pensamento idealista liberal, que apresenta uma idealização do plano do direito e, por outro lado, uma descrença e descaracterização do que seria o campo da política. No Brasil, um pensador importante –e interessante porque nele a crença na força do direito é uma dimensão de um projeto racional e transformador da política do país– é Rui Barbosa.

Numa outra concepção, poder-se-ia pensar que o direito contém a política, ou seja, não existe política além, fora do direito, ou que não seja colocada pelo direito. É um pensamento idealista, presente no jusnaturalismo, em que, a partir de uma concepção idealizada do contrato político seriam estabelecidos direitos e obrigações recíprocas entre os sujeitos, dos quais a política não seria mais do que decorrência. Essa concepção aparece também em um pensamento de caráter religioso que entende que todo direito estaria contido nas escrituras sagradas e toda verdadeira política teria que ser orientada por esse direito.

Pode-se pensar, também, como o faz a teoria dos sistemas, que são duas esferas de atividade social diferenciadas, com lógicas distintas, mas que se influenciam reciprocamente.

Diversas outras abordagens são possíveis. Poder-se-ia pensar ainda as relações entre direito e política, por exemplo, como e forma e conteúdo, ou o direito como estático e a política como dinâmica.

Adota-se neste artigo uma abordagem do direito e da política como tendo implicações recíprocas, como esquemas de interação que se constituem numa estruturação social mais ampla. Esses esquemas ordenam distintos tipos de objetividade, com lógicas próprias, e em relação aos quais os sujeitos atuam. Esses esquemas não são absolutamente diferenciados, pelo contrário, eles se configuram reciprocamente e suas relações podem ser determinadas em função de diversas variáveis, como instituições, interesses, regras e valores. A caracterização do que é “o direito” e “a política”, bem como as suas relações, é distinta segundo as épocas e as sociedades e é inseparável da reflexão dos próprios sujeitos dessas sociedades a respeito. Assim, não se pode afirmar que essas características sejam definíveis em termos absolutos, nem a partir de um único ponto de vista, mas elas podem ser reconhecidas e comparadas com outras sociedades ou com outras épocas da mesma sociedade.

Em outros termos, o direito no Brasil, e suas relações com a política, não é absolutamente “brasileiro”, pois não se formou de forma autônoma, mas, por outro lado, configura relações próprias, que são diferentes daquelas de outras sociedades. Essas observações têm o sentido de se evitar um nacionalismo jurídico, que esteve presente na história do direito e do pensamento jurídico brasileiro. Buscava-se, já no início do século xx, pesquisar a formação política, as leis e ler os pensadores jurídicos brasileiros do século xix a fim de identificar e valorizar o que era especificamente nacional e distintivo do direito no Brasil. Não se consegue encontrar o que seria distintivo do direito no Brasil como produção autônoma, diferenciada em relação a outros países, mas quando se toma um conjunto de elementos, pode-se encontrar uma combinação com certas especificidades. Essas especificidades poderão ser explicadas se consideradas do ponto de vista dos processos, em termos das relações entre sujeitos, instituições e estruturas presentes na nossa formação social.

Alguns exemplos do século xix para ilustrar essas afirmações. O Código Criminal do Império é considerado por muitos um monumento do liberalismo, que teria influenciado a codificação noutros países, inclusive citado por juristas europeus. Porém, tem-se um código criminal absolutamente liberal e moderno numa sociedade escravista em crise, e na qual as relações entre senhores, escravos e outros homens livres se dão com uma série de características específicas. Qual é o “segredo” do Código Criminal do Império? Não é um ponto específico, mas a combinação de dispositivos que compatibiliza liberalismo penal e escravismo “à brasileira”.

O senso comum dos juristas entende que se trata do código penal para os homens livres. Os escravos seriam considerados “coisas”. Mas os escravos não cometem crimes? Eles eram responsáveis penalmente, responsabilidade que não era sujeita ao absoluto arbítrio dos senhores ou dos agentes públicos. Isso está no próprio Código Criminal do Império, onde há dois artigos interessantes. Um deles estabelece que se o acusado for escravo, a pena de prisão será convertida em açoites. Outro artigo determinava que eram admitidos castigos moderados em relações domésticas. O Código de Processo estabelecia que não seriam admitidas denúncias dentro de uma mesma família e nem do escravo contra o senhor2. Para além do direito de propriedade em sentido estrito, em que o escravo é, por ficção jurídica, equiparado a coisa, o escravo é considerado um órfão, que está posto sob a guarda do senhor. Então, o escravo não pode denunciar o senhor, mas se o escravo cometer um crime poderá ser processado. O senhor prefere punir o escravo por conta própria, mas isso nem sempre acontecia. Então, há uma lógica que está presente não nas regras gerais do Código, na sua generalidade, na sua expressão liberal (e mesmo literal). Ela está presente no Código naquilo que são algumas exceções, e, de um modo mais geral, é nas relações entre a generalidade e as exceções que se pode começar a explicar o sentido social desse Código. A partir daí pode-se extrair toda uma série de considerações sobre a política criminal, e também de segurança interna do Segundo Reinado, em que se dava a cooperação entre autoridades públicas e proprietários na vigilância e na punição.

O caso da codificação civil no século xix também é interessante. A Consolidação das Leis Civis teve suas normas organizadas da seguinte maneira: as regras gerais no corpo do texto e as regras sobre escravidão em notas de rodapé – então, à primeira vista poder-se-ia afirmar que a verdade do “código” civil do século xix estaria no rodapé da Consolidação. Seria uma legislação dual, como a dualidade da sociedade. Porém, nessa perspectiva, o papel do direito liberal no Brasil no século xix não seria nada e seriam deixadas de lado, por exemplo, as regras para as relações entre proprietários, para as relações familiares e o papel da Igreja Católica. Assim, é mais interessante analisar as relações entre essas duas partes da Consolidação, dado que elas se distinguem no texto, e suas relações são trabalhadas pela prática.

Essas relações complexas podem ser remetidas às características estruturais da sociedade no século xix, a escravidão, as relações entre pessoas de condições sociais distintas, estrangeiros, e, ainda o fato de a definição dos direitos básicos ser associada com a religião católica, dado o papel da Igreja na organização monárquica. Então, se se pode falar que há uma codificação das relações civis, a sua caracterização se vê na maneira como as distintas partes da legislação e da prática combinam essas características, essas aparentes dualidades que confundem a nossa imaginação jurídica educada com as categorias do liberalismo e do positivismo legalista.

Assim, a originalidade do direito civil não está numa “contribuição original” brasileira ao pensamento ou às instituições jurídicas. O direito brasileiro do século xix não está em “monumentos”, como a legislação ou a doutrina, nem exclusivamente nas suas exceções, mas surge da combinação desses elementos num contexto social. Pode-se entender como era difícil que a iniciativa política para a codificação civil pudesse se realizar. Seria necessário reduzir aos conceitos e regras gerais postos pelos cânones do pensamento jurídico do século xix toda a diversidade das condições pessoais, as da propriedade imobiliária e de concepções sobre as trocas econômicas, do papel da Igreja na sociedade, além das situações transitórias postas pela política de imigração e a estratégia de abolição gradual da escravidão adotada pela elite face aos riscos que via nessa transformação para a ordem e a hierarquia social.

Outro ponto é que no Brasil do século xix predomina um pensamento político e jurídico conservador, no sentido de distinto e, mesmo oposto ao liberalismo. Embora Rui Barbosa tenha sido um liberal, a relevância de seu pensamento é a de um crítico, e não de um representante do direito e de suas relações com a política no Brasil do Segundo Reinado à Primeira República.

No Segundo Reinado prevalece um pensamento conservador que tem uma concepção do direito e da política como entrelaçados, em que a relação da legalidade e das condições sociais se dá em termos de acomodação das mudanças com a preservação da hierarquia social. Prevalecia, em última instância, a decisão da autoridade política, sem responsabilidade, imotivada. O domínio da lei alcançaria apenas as margens desse poder discricionário da autoridade, visto que se considerava que não era possível defini-lo ou delimitá-lo por regras gerais. Esta relação encarna-se no Poder Moderador do Império, no poder do senhor sobre o escravo e na definição do poder do agente da ordem pública. Essa concepção estava presente em traços mais gerais. O agente da ordem pública, o policial ou o cidadão que está investido de poderes de polícia –como, por exemplo, o senhor de escravo, o fazendeiro– deveria apreciar as circunstâncias e exercer a força caso seja necessário, e ele não seria responsabilizado por isso. Considerava-se que ele não deveria correr o risco de que seus atos pudessem ser examinados por uma autoridade judicial, pois, do contrário, ele seria tolhido na sua tarefa de manter a ordem, por antecipar os riscos de ser responsabilizado penalmente

O pensamento brasileiro é muito mais conservador do que o do Austin. Em Austin o direito se define por comandos emitidos pelo soberano, que no caso é o Parlamento liberal cuja base de representação política estava sendo ampliada. No Brasil, existe uma reserva de poderes atribuídos àquele que tem o poder de mando, que tem uma reserva de poderes que não é limitada, e sua autoridade não tem base na representação política, mas numa concepção naturalizada da hierarquia política. É uma espécie de reserva, de resíduo do absolutismo. E isso tem efeitos até hoje.

Essas ilustrações mostram a variedade das relações entre direito e política, as suas relações com a estrutura social, e como a reflexão jurídica é parte delas. Daqui se tira conseqüências importantes para a delimitação da perspectiva de análise política –a reflexão jurídica, a produção de conceitos e teorias– que. é inseparável do “fenômeno” chamado “direito”.

A organização da autoridade política contemporânea –o Estado, as relações internacionais, a ordenação das relações sociais, a contestação– é feita com conceitos jurídicos e, de certa forma, é um processo complexo de concretização de teorias jurídicas. O uso de conceitos e teorias jurídicas não é exclusividade dos juristas, mas está inserido nas práticas sociais. Os juristas trabalham, criam, transformam e também reproduzem práticas sociais em particular aquelas realizadas no âmbito das organizações estatais. Enfim, pesquisadores acadêmicos do direito e da política compartilham um vocabulário jurídico-político, mas utilizam-nos de forma distinta, dados seus interesses, abordagens e objetivos próprios.

Para ilustrar esse último ponto, tomemos o tema “sistema de justiça”. Se partirmos das definições lexicográficas, cada termo tem inúmeros sentidos. O Dicionário Aurélio atribui à palavra sistema 19 definições e dá 87 expressões ilustrativas, mas entre elas não estão “sistema de justiça”, “sistema jurídico” ou “sistema judiciário”. Para a palavra “justiça” ele apresenta “só” 7 definições. Se multiplicarmos 19 por 7, teremos 133 significados possíveis para a expressão “sistema de justiça”. Algumas combinações produzem os sentidos correntes e que convergem com os utilizados na prática do direito. Mas outras são inesperadas, como “sistema” no sentido de série de sons musicais e “justiça” no sentido de “o Poder Judiciário” (mas que fariam sentido para quem nele trabalhava na época das máquinas de escrever, em que cada marca ou modelo produzia seus próprios sons). Outras combinações poderiam ser sugestivas, ou cômicas, como “sistema” no sentido de sons e “justiça” no sentido de o pessoal que trabalha no Judiciário, e assim “sistema de justiça” seria o nome de um conjunto musical. Pode-se ter sentidos ilegais e contrários ao sentido senso comum entre juristas, se tomamos “sistema” como um hábito ou maneira e “justiça” como vingança a expressão seria sinônimo de “justiceiro”. Se tomamos “sistema” como o conjunto de elementos (de pessoas, no caso) contíguos num determinado terreno e “justiça” como vingança, sistema de justiça significaria “linchadores” ou “linchamento”.

Mas a diferença entre sentidos em ciência política e teoria do direito é importante, pois, numa teoria positivista do direito, sistema significa ordem ou ordenamento, e “justiça” é equiparada às normas legais. Então, “sistema de justiça” poderia significar sistema jurídico, em que seria o conjunto coerente, completo e autônomo de normas positivas. Se “justiça” significar “Poder Judiciário”, sistema de justiça seria o conjunto de normas referentes e esse poder do Estado.

Em ciência política, o termo “sistema” é utilizado como um modelo para a análise de “comportamentos”3. A teoria sistêmica foi elaborada com o objetivo de elaborar proposições e conceitos gerais, estabelecer princípios aplicáveis a numerosos sistemas e que podem ser transpostos de uma disciplina a outra. A teoria é empiricamente orientada na medida que os conceitos devem ser operacionalizáveis em pesquisas. “Sistema” é um conjunto de elementos interdependentes, os quais se encontram em interações dinâmicas, enquanto o sistema social é composto das interações entre os atores de uma coletividade. A teoria diferencia analiticamente subsistemas que se referem a dimensões específicas do sistema social, as quais se encontram em uma rede complexa de interações. Para cada subsistema, os demais constituem o ambiente nos quais se dão interações de outras dimensões sociais. A política é uma dessas dimensões, definida como a atribuição autoritária de valores e o sistema político é definido como o conjunto de interações em que se efetua essa atribuição. O sistema político se concentra numa autoridade, ou estrutura institucional, que, em resposta aos impulsos recebidos (demandas e sustentação), toma decisões com força obrigatória. Por sua vez, essas decisões –e outras ações do sistema político– são recebidas pelo ambiente mutável, num processo de retroação coloca novos impulsos ao sistema político. Para que possa persistir, o sistema político tem que se adaptar ativamente e responder àquelas demandas, uma vez que, para que as decisões e ações políticas dependem da sustentação dos outros subsistemas sociais, de atitudes e comportamentos nos outros subsistemas sociais que lhes sejam favoráveis. Assim, “sistema” tem o sentido de um conjunto consistente em equilíbrio dinâmico, adaptativo, que se dá num processo permeado de conflitos e tensões. Por sua vez, o termo “justiça”, se considerado como parte do sistema político, diz respeito às interações de um setor especializado da autoridade política, o judiciário. Então, “sistema de justiça” equivale a sistema judicial, o domínio especializado da alocação de valores, voltado para a efetivação de regras em relação adaptativa com o ambiente externo4.

Vê-se, por essas explorações, que se tem a multiplicidade de relações, a convergência de práticas sociais e de usos terminológicos entre “direito” e “política” na sociedade, mas também a diversidade de perspectivas, que se refletem em abordagens, teorias e conceitos próprias às teorias do direito e da ciência política.

Para voltar ao tema inicial, de que a discussão técnica no direito é política, pode-se propor que, de um ponto de vista da ciência política, a prática do direito, particularmente a que se dá nas organizações estatais, e de modo ainda mais específico na jurisdição constitucional, as divergências sobre questões técnico-jurídicas sejam analisadas enquanto debates políticos.

Assim, o cientista político normalmente pergunta quem ganha, quem perde com determinada formulação? Quais políticas elas promovem? Quais as relações dessas decisões com os interesses e estratégias de agentes políticos relevantes e as relações destes com os juristas? Quais os enjeux políticos mais amplos, tais como as implicações ou conseqüências mais gerais para o processo político no qual elas se dão? Porém –e apesar de nem todas as divergências técnicas terem significação ou relevância política direta– ao analisar uma tomada de posição jurídica, o pesquisador de ciência política precisa prestar a atenção às questões de relações de poder que estejam presentes, de forma implícita, nos conceitos e teorias utilizados, nas peculiaridades da linguagem jurídica e no conhecimento compartilhado pelos agentes do campo.

Por exemplo, a questão do federalismo, que é uma dimensão estrutural do Estado. Um jurista pode ser mais federalista, ou, pelo contrário, unitarista, e ter uma série de argumentos jurídicos, mas necessariamente haverá uma dimensão política, em termos de relação com as circunstâncias, o processo, e as implicações de se adotar uma ou outra posição e de escolher certos argumentos e não outros para defendê-la. Então, nesse sentido, os juristas fazem política o tempo todo. Só que a doutrina jurídica não diz que eles fazem política, pois, a sua problemática e abordagem é a da sistematização do material jurídico e a resolução de problemas práticos para os juristas. Do ponto de vista da ciência política, eles fazem política mesmo quando eles elaboram e dizem que fazem o direito.

O Supremo Tribunal Federal é um caso interessante. A dimensão política das suas decisões é colocada, por críticos e a mídia, em função de um suposto vínculo entre o ministro e o Presidente que o nomeou. Essa suposição é, porém, questionável, pela observação mais detida de decisões do tribunal. No entanto, seria idealismo concluir que não há relação entre as posições das forças políticas, o debate técnico-jurídico e as decisões do tribunal. Então, é preciso construir instrumentos de pesquisa que permitam determinar a maneira pela qual se dão essas relações.

Tomemos como exemplo a ação direta de inconstitucionalidade. Uma pesquisa que tenha a Adin como objeto poderá separar a dimensão política da dimensão jurídica? Como formular uma pesquisa política que não utilize, explicitamente ou não, conceitos jurídicos? A impossibilidade de fazer a economia de conceitos jurídicos na pesquisa política torna-se claro a partir do momento em que se pergunta qual é o objetivo de uma ação de inconstitucionalidade, que é um efeito jurídico: declarar a validade e invalidade de um ato normativo. São necessárias muitas mediações para transformar as decisões num processo desse tipo em indicadores mensuráveis de interesses dos sujeitos (tanto juizes como agentes políticos). Pois os juristas podem promover interesses que são, eles próprios, jurídicos, como a validação judicial de teses que sustentaram. Ou, inversamente, certos interesses aparecem traduzidos de tal forma em teses jurídicas, que eles se tornam quase irreconhecíveis enquanto expressões de forças “externas” ao próprio direito. Além disso, as relações entre interesses e teses ou conceitos jurídicos não são imediatas nem lineares e, por isso, a “tradução” não é linear nem desprovida de ambivalências ou conseqüências imprevistas. De um modo mais geral, a relação do direito com as relações sociais não é instrumental, pois o direito não incorpora e promove a realização de objetivos sociais que lhes são externos. Com o direito se criam “mundos”: os institutos jurídicos não só proíbem, obrigam e permitem condutas sociais, mas também criam, induzem, favorecem os sujeitos a promover e realizar formas de vida social que eles projetam5.

Assim, é necessário, mas não suficiente, reconhecer a relação instrumental do debate jurídico com as forças políticas em ação num determinado contexto. Deve-se extrair todo o seu significado, o que em última análise remete a pesquisar a maneira pela qual, numa sociedade, em certa época, constrói-se o que é “o direito” e “a política”. As diferenças entre pesquisa em direito e ciência política são de perspectiva, mas, em ambos os casos, é preciso reconhecer a complexidade das relações entre direito e política. Em suma, a divisão do trabalho dos pesquisadores não deve ser delimitada por uma definição meramente instrumental dos seus objetos – ou das relações entre eles.

Análises políticas do judiciário atuais

 

Se os campos de pesquisas sobre direito e política são primo-irmãos, no Brasil a ciência política tem bem menos tradição, especialmente a respeito do direito e do Poder Judiciário. O número de pesquisadores é pequeno e o acervo de pesquisas é restrito e recente. Nessa situação, as pesquisas de ciência política sobre o Judiciário brasileiro ressentem-se de problemas importantes. Primeiro, têm adotado de forma a-crítica teorias e conceitos da ciência política internacional, que são fortemente influenciados pelo debate norte-americano. Segundo, adotaram de forma a-crítica teorias e conceitos sobre o Judiciário e o controle da constitucionalidade elaborados pela doutrina jurídica brasileira6.

Sobre o primeiro problema, as pesquisas e debates atuais sobre o Judiciário tem sido marcados pelos temas da judicialização da política, o ativismo e o enfoque do Judiciário do ponto de vista do impacto das decisões judiciais sobre as políticas públicas. Esses temas foram elaborados pela ciência política norte-americana e pesquisadores de vários países incorporaram essas visões que, no entanto, fazem parte de uma temática proposta pelos conservadores dos Estados Unidos, que se mobilizaram contra o papel ativo das cortes em favor dos direitos civis e sociais7. Esta é uma concepção muito limitativa da Constituição e do papel do juiz, que é trazida para as suas problemáticas de pesquisa8. Esta perspectiva parte de uma concepção do papel dos juízes formulada pelos juristas neo-conservadores norte-americanos, seja na vertente do originalismo9, seja na da análise econômica do direito10.

O tema judicialização na ciência política parte de um seminário internacional em 1992, publicado em uma revista11 e, em seguida no livro organizado por Tate & Vallinder12. O que pode significar a expressão “judicialização da política”? Existe a ambigüidade dos sentidos tanto do termo da judicialização, quanto as variedades sentido da palavra “política”13. Judicializar pode significar a ampliação dos poderes dos tribunais, a intenção dos juízes de influenciarem políticas públicas, as conseqüências, intencionais ou não, das decisões dos juízes, as estratégias dos atores sociais, uma mudança macro-sociológica das democracias contemporâneas, como se vê nos trabalhos de Tate e Vallinder14. Política pode ser pensada como forma de organização da comunidade política (polity); domínio especializado da esfera de ação governamental ou sistema político (politics); decisões das instâncias estatais para direção política, política legislativa, política governamental, política social, política econômica (policy). A partir dos atores e coletividades sociais, pode-se pensar a política como as ações de sujeitos e coletividades, voltadas para a realização de seus interesses individuais e coletivos e de objetivos comunitários; e, na medida que se identificam como cidadãos, portadores de direitos, neste sentido a política torna-se uma forma de mobilização do direito. Pode-se ver que a utilidade analítica de uma expressão que pode ter tantos sentidos é, no mínimo, discutível, ou, em outros termos, ela é inútil e enviesada.

Contudo, é preciso analisar duas questões postas por esses trabalhos. Elas são ligadas, embora diferentes: uma é a dos efeitos das decisões judiciais sobre políticas públicas, que, nessa perspectiva seria crescente em todo o mundo, pelo menos nas democracias; e a outra é o ativismo, no sentido de que os juízes deixariam de aplicar a lei, passando a promover suas concepções de políticas.

Os capítulos iniciais do livro de Tate e Vallinder sobre a judicialização remetem a uma coletânea de Donald Jackson e C. Neal Tate, oriunda de outro seminário de 1989, na qual a questão central é o impacto do judicial review sobre as políticas públicas. Essa questão pressupõe delimitar as áreas adequadas ao judicial review e aquelas próprias às políticas públicas. Na definição de judicial review, Tate adota, por exemplo, um conceito de indirect review, que significa quando uma corte, embora sem declarar a inaplicabilidade de uma lei (statute) adota uma interpretação limitativa da lei por considerar que os sentidos excluídos seriam incompatíveis com os poderes do legislativo15. Sobre o ativismo, afirma a sua ambivalência política, e o caráter engajado das posições tomadas, remetendo ao “rigoroso exercício lógico” de Donald Jackson que definiu os limites das posições normativas adotadas pelos críticos do ativismo. No capítulo final16, este autor debate as concepções dos neoconservadores, discutindo concepções de William Rehnquist (nomeado Chief Justice por Reagan) e Edwin Meese (Attorney General do governo Reagan) para concluir sobre suas dificuldades em estabelecer uma definição rigorosa sobre o que devem fazer os juízes e os representantes eleitos. No entanto, formula seu framework for comparative analysis a partir do quadro institucional norte-americano, no qual ele supõe, inicialmente, uma clara divisão entre os campos das políticas públicas, próprios à decisão majoritária, e da decisão judicial, para a proteção de direitos fundamentais. Em seguida, parte da problemática dos neoconservadores - o originalismo e a deferência dos juízes aos legisladores e administradores, termos que são tomados como ponto de partida a serem projetados para futuras análises comparadas.

O tema do ativismo também está perpassado por essa contraposição entre os campos da decisão judicial e da decisão majoritária; o originalismo e a deferência dos juízes aos representantes eleitos diretamente. O ativismo é, aliás, outro conceito vago, pois pode ser caracterizado a partir de uma divisão pré-estabelecida de campos (o juiz substitui os representantes eleitos), da intenção do juiz (o juiz deixa de aplicar a lei para promover as suas preferências de políticas);e pelos efeitos (a decisão judicial tem impactos sobre as políticas públicas). Outros elementos podem entrar no conceito de ativismo, como a instabilidade da jurisprudência, e a tendência do juiz ativista de reverter uma orientação predominante, ou uma intenção política de ampliar os poderes das Cortes17.

Essas observações são importantes em três pontos: inicialmente, indicam que esses trabalhos têm como pressuposto uma certa estrutura institucional e tradição política e jurídica, a do constitucionalismo norte-americano; em seguida, há a vinculação entre o debate político, no caso o posto pelo neoconservadorismo norte-americano, e a problemática acadêmica sobre o Judiciário; e, enfim, o entrelaçamento entre os conceitos normativos de direito constitucional e os conceitos analítico-descritivos de ciência política.

Em geral, essas teorias têm em comum uma visão instrumentalista do direito, fundada no modelo do indivíduo como um calculador econômico. O direito é instrumento para um fim, o fim é definido pelo sujeito em função de um cálculo de custos e benefícios. O juiz deve considerar os cálculos do ponto de vista individual (teoria da escolha racional, cálculo estratégico) ou em função de benefícios coletivos, como na teoria econômica do direito (Posner). Para o realismo (Holmes), o juiz considera os benefícios coletivos tal como postos pela visão dominante da comunidade, vencedora num processo de conflito entre grupos sociais. Para o originalismo, o juiz, por motivos de legitimidade democrática, deve deferência à vontade do legislador, aplicando as leis no seu sentido aparente e apreciando a sua compatibilidade com a Constituição, tal como foi concebida pela vontade manifesta pelos “pais fundadores”. Se não houver decisão do legislador, se esta não for clara, ou se o sentido da norma de referência dado pelos pais fundadores não for claro, o juiz deve se omitir.

Uma questão mais geral é a contraposição entre políticas públicas e decisão judicial. É uma posição do problema que isola os momentos da produção normativa estatal, considerando que a decisão judicial não produz, ou que idealmente não deveria produzir novos sentidos para as normas (aliás, nem determinar o seu sentido) e, por outro lado, que as políticas públicas são produzidas como puras decisões, que não têm como pressuposto o ordenamento jurídico do Estado, tal como são interpretadas pelos mais diversos agentes, do Estado ou não, dentre os quais os juízes.

No entanto, para que os temas postos nas teses sobre a judicialização tenham sentido para nós, eles deveriam ser reelaborados levando em consideração uma série de fatores, como as ordem normativa posta pela Constituição, as instituições judiciais, a “cultura” ou tradição jurídica, a história política, as identidades dos agentes, em particular as dos próprios juízes. Para dar um exemplo, qual o sentido do originalismo para nós? Seria buscar o sentido visado pelos pais fundadores da comunidade política, polity, chamada Brasil, ou seja, os pais da independência? Seria a intenção dos fundadores da comunidade política republicana e federalista, ruptura fundamental na nossa história política? Ou seja, Campos Salles, Rui Barbosa, Rodrigues Alves, mas também Benjamin Constant, Quintino Bocaiúva, Silva Jardim. Seriam os de outra ruptura revolucionária no campo político, a de trinta? Seria a dos fundadores da nova República, dos Constituintes de 1988 ou dos “reconstituintes” de 1990 a 1995?

Outro ponto a considerar é como se pratica entre nós a interpretação histórica, propugnada pelos originalistas. Seria de se indagar as razões dessa diferença, e quanto isso é relevante para refletir sobre nossa tradição jurídica. De todo modo, a interpretação histórica, o sentido visado pelos sujeitos durante o processo Constituinte, pelos legisladores concretos é um argumento usado apenas excepcionalmente na prática judicial. Poder-se-ia trazer vários exemplos da jurisprudência do stf pós-88 que foi contrária à vontade do legislador constituinte, razoavelmente interpretada18. Mas uma abordagem originalista da Constituição de 1988 seriam quem os pais fundadores? Ulysses Guimarães, José Sarney, Bernardo Cabral, Nelson Jobim? José Sarney é um pai fundador? A pressão que ele exerceu, junto com os militares, sobre a Constituinte foi muito grande, em alguns pontos fundamentais (sistema de governo, mandato do presidente, atribuições das Forças Armadas), alguns dos quais ainda não resolvidos, como o do papel dos militares na nossa comunidade política.

Mas é importante indicar que o próprio stf teve papel de “pai fundador” sobre a Constituição de 1988 Não apenas na “campanha” dos seus ministros para evitar a criação de um Tribunal Constitucional19, mas também por meio da ameaça de as decisões da Constituinte serem contestadas pelo Presidente da República no Supremo20. Eram comuns afirmações do Presidente Sarney e dos ministros militares, em que afirmavam, apoiados por juristas conservadores, que a Constituinte não era originária, mas derivada, porque não houve ruptura revolucionária e a Constituinte havia sido convocada chamada por uma emenda constitucional21.

Então, a advertência era de que a Constituinte não podia tudo, não poderia mudar os elementos fundamentais de nossa organização política: sistema de governo, federalismo, república e, por conseqüência, a duração do mandato do presidente e o papel das forças armadas. Quando determinado tema fundamental era colocado em discussão, particularmente o sistema de governo, a imprensa divulgava a afirmação de Saulo Ramos (consultor-geral da República), algum jurista, ou um ministro do stf, afirmando que, se o Presidente Sarney entrasse com uma ação de inconstitucionalidade no Supremo, este declararia inválida a decisão constituinte. Isso porque os constituintes teriam excedido os poderes concedidos pela emenda convocatória da Constituinte. Em seguida, um ministro militar declarava as Forças Armadas estavam prontas para desempenhar o seu papel, de garantir a ordem constitucional existente (e seria contra aquela em construção pela Constituinte). E assim os atores do processo constituinte, que participaram da nova Constituição, não estavam apenas no Congresso, mas perpassavam os outros poderes do Estado, inclusive o Supremo Tribunal Federal e, numa outra dimensão, também as forças mobilizadas da sociedade.

Outro ponto a indagar é se os nomes “juiz”, Poder Judiciário, Supremo Tribunal, não se referem a “coisas” diferentes nos eua, no Brasil e noutros países. As diferenças são imensas, desde o acesso ao julgamento de primeira instância, à maneira pela qual o Judiciário é organizado o julgamento de primeira instância, a seleção dos juízes, a organização das carreiras, as decisões estratégicas no plano organizacional e a elaboração e execução do orçamento.

O Brasil tem uma característica muito peculiar: o insulamento instititucional do Poder Judiciário. Deve-se partir desse dado, e não de uma idealização sobre o que deveria ser o juiz numa ordem jurídica liberal. O que o juiz faz, o que ele deve fazer, o que ele pode ou não pode fazer é um dado organizacional e histórico do Brasil. O Judiciário atual, agora autônomo e forte institucionalmente e insulado, sem controle externo nem participação nas decisões sobre a estratégia organizacional ou a responsabilidade dos juizes22. O Judiciário norte-americano é completamente diferente, pois o juiz é considerado como um representante político e, pelo sistema do common law, ele é produtor de direito. Daí a questão da extensão dos poderes e a legitimidade desse agente. A divisão entre o que é do direito e do domínio das políticas públicas é muito estrita, até porque eles adotam uma concepção muito limitada do que sejam os direitos fundamentais.

Nos eua parte-se do princípio republicano de que todo representante político deve ser eleito, exceto na medida em que a exceção for extremamente necessária. Em geral, juízes são eleitos ou nomeados pelas Assembleias Legislativas (existente em alguns estados). O juiz federal é uma exceção, porque ele é nomeado vitaliciamente, com indicação do presidente e aprovação do Senado. Por que esse representante não eleito pode tomar decisões que não são tomadas pelos representantes eleitos? A nossa tradição política, nossa organização institucional, neste ponto, está muito mais próxima da europeia desde o século xix, é uma tradição de pensar o Judiciário como uma instituição, um ente coletivo, e menos o juiz individual. O problema da legitimidade é da instituição, não do juiz. Então, quando usamos as mesmas palavras, formuladas por uma discussão acadêmica, como essa da judicialização, que tem como referência as instituições de outro país, é preciso tomar cuidado e reelaborar a discussão levando em conta as diferenças. Por isso, o conhecimento das características de nossas instituições judiciais, a sua história, a formação da tradição, é passo essencial para a análise política de sua atuação na atualidade.

Ainda sobre o ativismo, um dos pontos da definição seria o fato de o juiz não seguir os precedentes, preferindo adotar interpretações inovadoras. Importa ressaltar, contudo, que esse ponto tem como referência a continuidade constitucional característica dos Estados Unidos. Num contexto de mudança constitucional, seria de se indagar se, ao adotar uma linha de continuidade com os precedentes, os tribunais não estariam contrariando a “vontade” do constituinte. Esse é um dos aspectos do debate sobre a atuação do stf pós 1988, onde se afirma que o stf foi omisso na efetivação da nova Constituição, mas foi ativista ou serviu de refúgio para interesses corporativos, especialmente os dos juristas23. Uma análise das decisões de Adins no período de 1988 a 1999 sugere que se adote conclusões mais ponderadas24. Se considerarmos o impacto orçamentário do dispositivo contestado, os resultados mostram que, se a norma contestada tem efeitos orçamentários deficitários (estaduais, na maioria), o stf tende a declarar a sua invalidade. Se, pelo contrário, a norma for superavitária (federais, na maioria, em políticas de estabilização monetária e reforma do Estado), é declarada válida, ou a ação não chega a ser julgada no mérito. Outra variável é a dos beneficiários. Se a norma beneficia grupos sociais específicos ou grupos de indivíduos, a decisão tende a ser mais pela invalidade, contudo se a norma não tem beneficiários definidos, a decisão é pela validade. Assim, o stf teve uma atuação muito ativa no sentido de declarar inconstitucionais as normas impugnadas no caso de dispositivos estaduais, nos campos de direito administrativo, tributário, constitucional e que causavam déficit orçamentário. O exemplo típico são as leis estaduais que concediam reajustes para funcionários públicos, aumento para funcionários públicos, benefícios para setores do funcionalismo, isenções fiscais, benefícios fiscais, isenções tributárias, regras previdenciárias para funcionários públicos.

Outro exemplo é posição extremamente rigorosa adotada pelo stf em relação aos limites do constituinte estadual. O stf tem entendido que as constituições estaduais deveriam reproduzir as normas da Constituição Federal, e não poderiam sequer exceder os seus dispositivos, declarando, então, a inconstitucionalidade de normas de constituições estaduais que divergiam do modelo federal, ainda que o seu conteúdo não fosse explicitamente contraditório com os dispositivos da Constituição federal Desta forma, o constituinte estadual ficou extremamente circunscrito, limitado, pela interpretação dada às regras da Constituição de 88 pelo stf, segundo o princípio da simetria, ainda que, salvo engano, não haja nenhuma norma da Constituição de 1988 que autorize esta concepção estrita adotada pelo stf. Esse ponto é interessante, pois o stf deu continuidade à orientação jurisprudencial adotada durante o regime militar, mas adotou uma inflexão (foi relativamente ativista pelo critério da inovação). Adotou uma certa concepção do princípio da simetria entre o modelo federal e os estaduais que não estava escrita na Constituição federal (e, então, foi ativista pelo critério de ampliar a interpretação). As decisões do stf tiveram conseqüências importantíssimas para a política dos estados (ativismo), mas, de um modo geral, elas favoreciam a orientação da coalizão política dominante no plano federal, que promoveu a centralização política para realizar o programa de reformas do Estado, limitando os poderes de decisão no plano estadual e municipal, especialmente no que se refere aos gastos públicos.

Essa orientação indica que a maioria dos ministros do stf apoiou a nova coalizão federal, e atuou no enquadramento das forças políticas divergentes que ainda eram relevantes no plano dos estados. Cumpre ressaltar a atuação importante do Procurador-Geral que acionou o stf contra leis estaduais, de forma que há um pico no número de medidas cautelares em ações contra leis estaduais em 1995, seis anos depois da promulgação das constituições estaduais. Nos anos seguintes, as ações contra leis estaduais se expandem para outros campos do direito. Os governadores dos estados que assumiram em 1995, ao invés de negociarem com suas Assembleias Legislativas para modificarem as constituições ou leis estaduais, entraram com ações no stf. Então, poder-se-ia dizer, para apontar os contrasensos a que nos levariam os termos criticados até agora que o stf foi ativista em relação a normas estaduais e favoreceu a judicialização da política estadual, enquanto apoiava a coalizão dominante no plano federal, cuja orientação era no sentido de modificar ou, ao menos, limitar o alcance das normas da Constituição federal. Veja-se que “judicialização” e “ativismo” aparecem em relações entre entes governamentais, o que é uma das características do controle concentrado da constitucionalidade das leis, que não existe nos eua.

No entanto, este é apenas um aspecto da análise, pois, no caso de normas federais, a atuação do stf é bastante diferente. Por exemplo, a conhecida e criticada orientação do stf em Adins contra medidas provisórias, e outras normas de planos de estabilização econômica e privatizações. Ações promovidas por partidos políticos e entidades de classe e associações sindicais tiveram um estímulo de fracasso: muitas não eram conhecidas, e se conhecidas, não julgadas, e se julgadas, improcedentes. As decisões do stf, portanto, foram de sustentação das políticas do governo federal não só ao julgar aos ações improcedentes, mas também simplesmente ao não julgar ou sequer conhecê-las.

Coloca-se, então, a questão: quando um tribunal julga uma ação improcedente, ele pode ser considerado ativista ou sempre é não-ativista?

A resposta de grande parte da literatura é que a decisão contra a norma seria um indício de ativismo, pois o tribunal julga a ação procedente e declara a norma inválida face à Constituição, decidindo de forma contrária à vontade manifestada pelo legislador. Com isso, o pesquisador acredita ter sido capaz de verificar um evento em que houve a contrariedade entre o tribunal e o legislativo.

Mas aqui se coloca uma ressalva que resulta das características da nossa organização constitucional: há outros entes constitucionais, além do Congresso, com capacidade normativa para editar normas primárias – o chefe do Poder Executivo, por meio de medidas provisórias, e os Tribunais. Se o stf está face a uma medida provisória, qual sentido atribuir à decisão que declara a sua validade ou não? O stf está diante de um representante eleito (o Presidente) e é provocado para proteger os poderes de outro poder com representantes eleitos (o Congresso).

Outro ponto interessante é a fundação de uma nova ordem constitucional, como a da nova Constituição de 1988, e o Tribunal é chamado a declarar a invalidade de uma lei do Congresso anterior à vigência da nova Constituição. Se o Tribunal afirma seus poderes de exame das leis anteriores, a fim de buscar a maior efetividade da nova ordem constitucional, essa declaração da inconstitucionalidade pode ser qualificada como ativismo? O Tribunal declararia a invalidade de leis do Congresso anteriores à nova Constituição, mas atua para efetivar a “vontade” do novo legislador constituinte. No caso decisão da Adin n.º 2 o stf decidiu o inverso, o que resultou em um grande número de ações arquivadas, porque elas impugnavam leis anteriores à Constituição.

O stf deixou de tornar efetiva a “vontade do legislador constituinte” e, então, poder-se-ia considerar que a não-decisão do Tribunal em questões desse tipo poderia representar uma evidência de ativismo. Contudo, o Tribunal não contrariou a “vontade do constituinte”, mas deixou em suspenso a efetivação da Constituição naquilo que diz respeito às normas anteriores a ela. Ele deixou de fazer valer a vontade do constituinte e, com isso, não foi deferente às decisões dos representantes eleitos. Então, o tribunal não fez valer a vontade de tornar efetiva a Constituição, ao não permitir que houvesse a oportunidade de se examinar se aquela questão era válida ou não, se ela se conformava ou não à vontade do constituinte. Se insistirmos em usar os termos criticados, teríamos o contrasenso de que, com esse tipo de decisão, o stf teria patrocinado a judicialização e o ativismo dos juízes de instâncias inferiores, aos quais foi transferida a tarefa de examinar, caso a caso, se as leis anteriores eram ou não compatíveis com a nova Constituição.

Uma situação semelhante ocorreu no caso das Adins contra o Plano Collor, quando o tribunal não declarou as medidas inconstitucionais em ação direta, mas deixou em aberto a possibilidade de que os juízes o fizessem em ações comuns. Então ele transformou uma ação em milhares de ações. Então, ter-se-ia uma espécie de judicialização e de ativismo promovida pela própria cúpula do Poder Judiciário.

A questão fica mais complexa se se considera uma mutação constitucional, como a que ocorreu no Brasil depois da promulgação da Constituição, com a emergência de uma nova coalizão majoritária, legitimada pelas eleições de 1994. Pode-se colocar a hipótese que a maioria do Tribunal adote uma nova interpretação da Constituição, adequada à orientação política da nova coalizão, e invalide leis promulgadas sob a Constituição de 1988 mas antes da emergência dessa nova coalizão e, pois, continham concepções derrotadas por ela. Trata-se de ativismo? Sim, se for adotado o critério da instabilidade jurisprudencial, e não se for adotado o da conformação do Tribunal com a coalizão majoritária.

Em todos esses exemplos, a qualificação de “ativismo” ou não depende de algo mais do que contar o número de decisões de Adins sobre normas ou leis federais que o stf julgou procedentes. A análise das situações permitiria decidir sobre o sentido político às decisões do Tribunal, mas a conclusão não seria a escolha simples entre duas alternativas polares.

O segundo ponto referido acima é o de que as pesquisas de ciência política brasileira “importaram” de forma acrítica as teorias e conceitos elaborados pelos juristas brasileiros. Ora, se a política se manifesta no direito sob a forma de tomadas de posição em questões de técnica jurídica, os cientistas políticos brasileiros têm incorporado, de forma implícita e acrítica, doutrinas elaboradas por juristas. Essas doutrinas representam, elas mesmas, tomadas de posição política sobre os problemas do seu tempo. Para ilustrar o ponto, basta notar que os trabalhos de Rui Barbosa não representam o “retrato” da prática jurídica do seu tempo, pelo contrário, são acerbas críticas a eles. Igualmente, não se pode tomar as posições de um texto do Min. Moreira Alves sobre a evolução do controle de constitucionalidade no Brasil como uma elaboração “puramente” doutrinária25.

Um exemplo de equívocos que podem ocorrer disso é que os cientistas políticos brasileiros simplesmente adotaram a tese de que o sistema brasileiro de controle partiu do controle exclusivamente difuso e gradualmente se centralizou, tornando-se um sistema concentrado. Aponta-se a Emenda Constitucional n.º 16, de outubro de 1965, como o momento da criação do controle concentrado, mas não se analisa o significado disso no contexto das alterações centralizadoras e autoritárias da ordem política brasileira pós-1964, em particular o contexto específico da edição do Ato Institutional n.º 2.

Porém, como foi afirmado na primeira seção, não se trata de desqualificar os trabalhos de doutrina jurídica por serem enviesados politicamente. O interesse da doutrina jurídica, sua perspectiva de análise, materiais e objetivos são diferentes dos de cientistas políticos. O doutrinador procura elaborar uma interpretação sistemática da legislação e de outros materiais jurídicos, elaborando teorias e conceitos cujo objetivo é produzir efeitos práticos. Os dados históricos, como o processo político e as condições sociais mais amplas do país, são tomados de forma estilizada, modelada e que tem caráter funcional para a construção sistemática dos materiais jurídicos.

Esse trabalho do doutrinador, seus pressupostos e conseqüências é que devem ser tomados criticamente pelo cientista político, pois esse toma os materiais jurídicos e os combina a outros fatores para formular uma explicação de uma sociedade, processo ou instituição. O objetivo, ao menos para as pesquisas acadêmicas, não é o de produzir efeitos diretos, imediatos sobre os sujeitos e instituições que analisam. Aqui vai uma importante distinção entre a pesquisa acadêmica, de caráter crítico e, por isso, com certo distanciamento do processo imediato e outros tipos de pesquisas que se colocam no marco das políticas públicas, e se fazem muitas vezes em cooperação entre os pesquisadores da Universidade e os das próprias instituições destinatárias da pesquisa (ou de fomento, como, por exemplo, o próprio Poder Judiciário e o Banco Mundial). Há, ainda, as pesquisas de autores politicamente engajados e que assumem, muitas vezes, caráter nitidamente doutrinário, dado que eles se colocam como “intelectuais orgânicos” de partidos ou grupos políticos.

Então, tem-se uma questão geral: como pensar o controle da constitucionalidade no Brasil, como pensar Direito e Judiciário no Brasil? É necessário retrabalhar criticamente tomando como ponto de partida dados em relação à dinâmica política e a construção da sociedade brasileira e trabalhar criticamente esses materiais jurídicos para verificar afinal de contas o que se passa, e não simplesmente importar modelos que tiveram como referência outras situações históricas, ou o que foram elaborados pelos juristas. Talvez se possa dizer que o ideal do trabalho do jurista é ser menos “realista” –no sentido de descritivo da realidade– e mais sistemático, estilizado. Aliás, vê-se às vezes que doutrinadores jurídicos tomam explicações de teorias macro-sociológicas, baseadas em modelos, como proposições descritivas, e as adotam como premissas para suas construções normativas

 

Uma ilustração: a evolução do controle da constitucionalidade no Brasil

 

O tema da “evolução” do controle da constitucionalidade no Brasil é uma ilustração interessante da crítica feita à pesquisa acadêmica. As concepções da doutrina jurídica sobre esse tema têm sido adotadas pelos cientistas políticos brasileiros, o que trouxe para análise teorias e doutrinas conservadoras , mas sem sequer levantar muitas questões relevantes para compreender os limites e o sentido da prática do controle da constitucionalidade no Brasil26.

Embora a evolução do controle da constitucionalidade no Brasil seja um tema comum em trabalhos de doutrinadores de direito constitucional, gerais ou dedicados especificamente à jurisdição constitucional27, ela não foi até o momento objeto de análise sistemática28. Esta bibliografia geralmente evidencia a criação e fortalecimento dos poderes de controle concentrado da constitucionalidade do stf após 1964 e faz referências ao regime militar, a atos de exceção, bem como a decisões do stf que os reconheceram. Contudo, os temas são tratados de forma separada, como se houvesse exterioridade entre as dimensões política, institucional e processual do controle da constitucionalidade.

Assim, como um padrão, os textos de direito constitucional tratam o golpe de 1964 e o autoritarismo em capítulo sobre a história constitucional do Brasil, fazem referência aos atos institucionais e à sucessão de emendas constitucionais, às cassações, à suspensão de direitos políticos e das garantias constitucionais, à censura, à extinção dos partidos políticos, por vezes, à repressão, à tortura, morte e desaparecimentos forçados de opositores. Por outro lado, as mudanças na estrutura do Estado, nas relações entre os poderes, a redefinição do processo legislativo e da federação, e do Judiciário são tratados em outra parte. Por vezes, a evolução, ou o modelo de controle da constitucionalidade das leis no Brasil é tratado em capítulo à parte, dada sua relevância para a Constituição como um todo29. Todos os autores trabalham como se houvesse exterioriedade entre as mudanças do controle da constitucionalidade no Brasil e a política30.

Na parte sobre o controle da constitucionalidade aparece um esquema continuista das Constituições republicanas. Começa com o controle exclusivamente difuso da Constituição de 1891; as restrições da Emenda Constitucional de 1926, que limitou o controle de constitucionalidade em alguns aspectos, proibindo o Supremo de julgar questões exclusivamente políticas. Passa pela Constituição de 1934, que criou duas inovações mais importantes: a primeira foi a representação interventiva e a outra foi a suspensão, pelo Senado, da execução das leis declaradas inconstitucionais pelo stf, onde o Senado tinha a condição de órgão de coordenação entre os poderes. Em seguida, o interregno de 1937 e a Constituição de 46, que consolidou a representação interventiva, agora diretamente provocada pelo Procurador-Geral e o controle difuso, mantendo os poderes do Senado embora na prática da Constituição a representação passou a ser usada para atos normativos estaduais contra os quais não cabia, em princípio, a demanda de intervenção. Posteriormente, o momento da efetiva criação do controle abstrato de constitucionalidade no Brasil das leis estaduais e federais é a Emenda Constitucional n.º 16/65, isto é, no momento de plena instalação do regime militar. Em seguida, as mudanças constitucionais importantes na Emenda Constitucional n.º 7, de 77. Por fim, surge a grande realização com a Constituição de 88, na qual foi criada a Adin por omissão, mandado de injunção, entre outros instrumentos.

Apresenta-se, então, uma história linear e gradual, na qual os diversos momentos são postos como passos de uma “evolução”. Aqui se delineia um esquema, como formula Moreira Alves31, em que por um lado, o controle concreto, em suas modalidades de controle difuso sobre quaisquer atos normativos e controle centralizado sobre atos normativos estaduais que dão origem à representação interventiva; nesse processo indica-se que havia uma prática crescente do controle abstrato sobre atos normativos estaduais (e minimizado, aliás, por Moreira Alves). Por outro lado, o controle abstrato de atos normativos estaduais, instituído pela EC n.º 16/65 viria “dar plenitude” ao controle da constitucionalidade no Brasil, na medida que teria completado as lacunas que existiam no sistema anterior. Essa realização se daria em diversos aspectos da Emenda: ao prever explicitamente o controle abstrato de atos normativos primários, abranger os atos normativos tanto estaduais quanto federais e estender o domínio do controle. A representação de inconstitucionalidade teria alcance mais amplo, dado o seu objetivo de preservar a ordem jurídica. Assim, a representação alcançaria normas que não seriam atacáveis pelos outros tipos de controle por via prejudicial, os quais, por serem concretos, visavam satisfazer direitos subjetivos de indivíduos ou interesses de autoridades públicas Aliás, a representação de inconstitucionalidade para leis federais teria sido criada para resolver a “crise do stf” causada pelo número excessivo de processos, segundo a Exposição de motivos do ante-projeto de que resultou a Emenda Constitucional n.º 16, de 1965.

Gilmar Mendes discute com algum detalhe a “natureza” da representação de inconstitucionalidade, considerando que os juristas nos anos sessenta e setenta não tinham clareza sobre a distinção entre a representação interventiva e a representação para o controle abstrato de normas. As controvérsias sobre a extensão dos poderes do Procurador-Geral, titular exclusivo da legitimidade ativa para provocar o controle abstrato, aparecem para ele como uma “balbúrdia”. Ele toma ao pé da letra a exposição de motivos do ministério da Justiça para a EC n.º 16, que afirmava que o objetivo da inovação era “alcançar maior economia processual mediante decisão direta do stf, reduzindo a sobrecarga de trabalho dos tribunais inferiores”. Gilmar Mendes considera que a competência exclusiva do Procurador-Geral seria a de uma espécie de “defensor da Constituição”, tal como era imaginado por Kelsen, embora com limites, dado o “império de um regime de exceção”32.

Os trabalhos de doutrina trazem alguns pontos importantes, como os debates sobre a discricionariedade do Procurador-Geral da República ao decidir sobre o ingresso de representação de inconstitucionalidade das solicitações recebidas e os efeitos da declaração de inconstitucionalidade33. A questão colocada era se o Procurador tinha ou não o poder discricionário de decidir sobre o ingresso da Representação de Inconstitucionalidade, uma vez que era o único legitimado ativo para fazê-lo. Se o seu poder fosse discricionário, ele é que seria o juiz da inconstitucionalidade por decidir sobre as questões que seriam submetidas ao tribunal. Sobre os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, após 1965 levantou-se a questão sobre se a declaração em representação tinha efeitos erga omnes imediatos, ou se esse efeito dependeria de resolução do Senado, como ocorria até então para as representações interventivas e as decisões em controle difuso34. Sobre esse ponto é importante ressaltar que o stf recebeu pela Emenda Constitucional n.º 1, de 1969 a atribuição de editar as normas dos processos de sua competência originária. A Emenda Constitucional n.º 7 de 1977 ampliou essa atribuição e criou a avocatória. Em 18 de abril de 1977, logo após o fechamento do Congresso, o Presidente do stf dispensou a comunicação ao Senado das decisões do stf de inconstitucionalidade de lei ou decreto, tomadas em Representações, pois, pela própria “natureza” do controle concentrado, as decisões tinham efeitos erga omnes automaticamente. Um ato do Presidente do stf, e sobre um ponto que o Congresso havia explicitamente rejeitado na votação da Emenda Constitucional n.º 16 de 1965, eliminou uma competência privativa do Senado, de cuja decisão dependia o efeito geral da declaração de inconstitucionalidade, mesmo em representação35.

Qual era o significado político do debate após 1965 sobre a extensão dos poderes do Procurador-Geral da República e os efeitos da declaração de inconstitucionalidade pelo stf?

As pesquisas em ciência política36 que têm trabalhado sobre o stf pós 1988, não analisaram até o momento o tema da expansão desta forma de controle durante o regime militar. Não será apresentada uma análise sobre o assunto, valendo observar apenas a sua relevância: ele envolve examinar a dualidade constitucional do regime, considerar os projetos dos militares de institucionalizarem o regime por meio de limitações externas ao Congresso e às liberdades públicas e também determinar o significado político das, por vezes, ásperas relações entre os militares, os políticos civis e o Supremo Tribunal Federal. Além disso, tampouco se indagou –com exceção dos próprios atores envolvidos– sobre o caráter do controle judicial da constitucionalidade das leis exercido numa situação de intervenção militar direta no processo político.

A discussão a seguir apenas procura evidenciar a descontinuidade nos planos da ordem constitucional (a dualidade institucional), com o golpe e a instalação do regime autoritário, e dos poderes do stf, cujo papel foi redefinido com a mudança.

No plano da ordem constitucional, a situação brasileira pós-64 caracteriza-se pela dualidade: por um lado, o poder constitucional expresso na Constituições de 1946 de 1967 com suas emendas e, por outro lado, o poder “revolucionário” que se afirmava como uma capacidade ultra-constitucional de ordenamento, que era utilizada pelo governo para enfrentar situações críticas, afastar resistências e punir oposicionistas, imprimir direção a atos governamentais e criar as formas organizacionais dos poderes da República. Nas relações entre os poderes legislativo e executivo federal foram profundas as mudanças na Constituição positiva (além dos poderes de exceção): a iniciativa do Presidente da República de propor emendas à Constituição, a previsão das leis complementares para matérias “orgânicas”, o poder de editar decretos-lei e o decurso de prazo.

Essa dualidade era afirmada por críticos, defensores e analistas do regime37. No campo judiciário os poderes excepcionais foram usados para modificar a composição do stf (AI-2 e AI-6), para atribuir à justiça militar a competência para julgamento dos processos de acusados de crimes políticos e para excluir da apreciação pelo Judiciário os atos praticados com fundamento nos atos institucionais e poderes “revolucionários” (AI-2, AI-3, art. 6.°).

Este foi também o caso da própria utilização do AI-5 para fechar o Congresso em abril de 1977, a fim de impor as reformas do Judiciário (rejeitada pelo Congresso (EC n.º 7/77)) e política (EC n.º 8/77). Neste sentido, os próprios dispositivos que reforçavam as atribuições do stf em controle concentrado de constitucionalidade tinham seu fundamento no poder “revolucionário” dos governos militares pós-1964, que conferiam poderes excepcionais ao Presidente da República38. O stf reconhecia e tornava efetiva a medida que utilizava esses poderes e não contestava os limites da ordem constitucional. Assim, o stf tornava-se um tribunal judiciário, e o objeto de seu controle era a compatibilidade das leis e outros dispositivos com a Constituição jurídica, com o texto constitucional positivo, o qual era limitado, por um lado, pelos poderes “revolucionários” do Presidente da República, e, por outro lado, pelas restrições à sua competência para o conhecimento dos atos baseados naqueles poderes (art. 181 da EC n.º 1, de 1969, e arts. 2.° e 3.° da EC n.º 11, de 1978). E também foi deslocada da justiça federal para a justiça militar a competência para o julgamento de crimes contra a segurança nacional (art. 122, § 1, da Constituição de 1967 e art. 129, § 1, da EC n.º 1, de 1969). A separação dos poderes executivo e legislativo no presidencialismo norte-americano era superada por um compartilhamento dos poderes legislativo entre o Presidente e o Congresso Nacional, sem que fossem reforçados os poderes de controle deste sobre aquele.

Então, o regime autoritário implicou a supressão dos direitos e liberdades políticas e civis, concomitante à reconfiguração das relações entre poder constitucional extraordinário e a Constituição positiva, e das relações entre Executivo e Legislativo, além de mudanças importantes nas relações federativas e a intervenção do Estado nas relações sociais. Nesse conjunto de mudanças ocorre outra inovação no sistema político brasileiro: a criação da representação do controle de constitucionalidade em controle abstrato das leis federais e estaduais pelo Supremo Tribunal Federal.

Quanto aos poderes do stf, a Emenda Constitucional n.º 16 de 1965 foi produzida na mesma conjuntura em que foi editado o Ato Institucional n.º 2, o qual, nos aspectos que têm relevância direta para questão da centralização do controle pode-se destacar: o aumento de 11 para 16 do número de ministros do stf, exigências menos rigorosas para a emenda à Constituição propostas pelo Presidente da República, o qual recebeu prerrogativas exclusivas de iniciativa legislativa, com projetos teriam prazos fixos para tramitação, sob o risco de aprovação automática (decurso de prazo), além de poder decretar o recesso do Congresso e legislar por decreto sobre todas as matérias. Entretanto, apesar da conjuntura, o projeto de Emenda Constitucional preparado pela Presidência da República recebeu duas alterações importantes no Congresso. Foi excluída a avocatória a atribuição de o Procurador poder deslocar o julgamento de qualquer ação em qualquer juiz que ela esteja para ser julgada diretamente no Supremo; e a norma que estabelecia o efeito erga omnes das decisões do Supremo em representação de inconstitucionalidade, sem apreciação do Senado.

A centralização do controle da constitucionalidade no Brasil, portanto, não é gradual, e o aspecto mais relevante de sua criação não é sua relação com o controle difuso, mas as transformações na ordem política e as relações entre os poderes do Estado no pós-64. Mais especificamente, o stf foi investido, junto com o Presidente da República, no papel de instância conformadora dos poderes do Congresso e dos estados, embora, ao mesmo tempo, o próprio stf, e o Judiciário como um todo, tivessem seus poderes restringidos sob outros aspectos (por exemplo, o AI-2 estendeu a suspensão de direitos políticos, excluiu de apreciação judicial os atos praticados em nome da “revolução”, transferiu para a justiça militar a competência para os crimes contra a segurança nacional ou instituições militares).

Posteriormente, outras alterações fortaleceram os poderes do stf de controle concentrado e de coordenação sobre os juízes. A Emenda Constitucional n.º 7 de 1977 dá continuidade às mudanças iniciadas com a Emenda Constitucional n.º 16 de 1965, ao criar a chamada “avocatória” e conferir ao stf poderes de legislar sobre o processos de sua competência originária, recursal e da relevância da questão federal. A criação de um Conselho Nacional da Magistratura –composto por sete ministros do stf– e de uma Lei Orgânica da Magistratura Nacional ampliavam seus poderes disciplinares sobre os juízes inferiores. A Emenda Constitucional n.º 8 de 1977 completava essa concentração ao criar restrições à propositura de proposta de emenda constitucional pelos membros do Congresso e ampliar os poderes do Tribunal Superior Eleitoral. Uma mudança no Regimento Interno do stf completa a modificação das relações entre o Tribunal e o Congresso, num momento em que a Presidência da República projeta uma política de distensão, e oferece algumas garantias à oposição política em vista de um processo de normalização institucional, ou “democracia com salvaguardas”.

É nesse momento em que são definidas pela jurisprudência do stf as características da ação de controle concentrado, as quais, por sua vez, se traduzem em regras do regimento interno do tribunal. Há um formalismo das decisões do stf no pós-64 no exercício da jurisdição constitucional, no sentido de que se usam categorias do direito administrativo, em que se contrapõem a apreciação judicial (legalidade) e política (mérito). O Supremo Tribunal Federal, no exercício da jurisdição constitucional abstrata, julga a constitucionalidade apenas do ponto de vista jurídico e não aprecia a conveniência e oportunidade do ato normativo contestado39.

As regras regimentais ou jurisprudenciais serão relevantes após 1988, pois serão utilizadas para limitar o alcance e o sentido da ação direta de inconstitucionalidade, dado que os ministros do stf partiu do pressuposto da continuidade entre o regime militar e a nova República, como se a Constituição de 1988 não fosse mais que uma nova emenda, a de n.º 29, à Constituição de 1967. Essas limitações se vêem, por exemplo, na tese da inadmissibilidade da inconstitucionalidade superveniente; na inadmissibilidade do controle de decretos do Poder Executivo que tenham ultrapassado seus poderes constitucionais (ultra-legem), por considerar que se trata de uma questão de ilegalidade e não de constitucionalidade, como seria se fosse o exercício desses poderes fosse considerado do ponto de vista da distribuição constitucional de competências; e nas restrições à legitimidade ativa dos chamados legitimados especiais.

Vemos, então, que a política, nas específicas condições postas pelo regime autoritário, está no cerne da instituição do poder de controle concentrado da constitucionalidade no Supremo Tribunal Federal em vários sentidos: o momento e condições de sua criação; e as características dos procedimentos de controle e a jurisprudência e regras regimentais elaborados pelo Tribunal. Os aspectos jurídico e político só podem ser entendidos se forem considerados de forma conjunta.

A perspectiva adotada, que aborda de forma combinada os temas tratados separadamente pelas abordagens jurídica e política, fornece elementos adicionais para entender os diferentes aspectos da jurisprudência do stf após 1988, que foi referido acima. Naquele momento foi sugerida uma explicação estratégica para o padrão de decisões do stf: seria o apoio à coalizão dominante que se formou a partir de 1993/4. Mas a constatação da continuidade da jurisprudência sobre as regras da ação de controle concentrado da constitucionalidade permite propor uma hipótese explicativa que combina as dimensões estratégica e jurídica: por um lado, a adoção, pela maioria dos ministros do stf, dos conceitos limitadores do alcance do controle da constitucionalidade elaborados durante o regime anterior, expressa, do ponto de vista jurídico, uma estratégia conservadora de dirigir os rumos do processo de transição democrática, Nas decisões do stf em controle da constitucionalidade, essa estratégia se deu por um padrão de atuação que pôs em suspenso a efetivação de parte relevante dos dispositivos da Constituição. Esse padrão de atuação permaneceu ao longo do tempo, em que a maioria dos ministros do stf se associou a diversas constelações de forças políticas, ou coalizões majoritárias. Fez parte da coalizão que sustentava o presidente Sarney, que buscava limitar o alcance da transição democrática, sustentando iniciativas que visavam limitar os poderes da Assembléia Constituinte. Na época da promulgação da Constituição apoiou a nova constelação de forças políticas, que já se vislumbrava desde a organização do “Centrão”, contrária ao sentido das mudanças constitucionais. Essas forças apostaram na revisão da Constituição, procurando, para isso, deixar sua efetivação em suspenso, durante a Constituinte. Essa coalizão apoiou a eleição de Collor, a aliança entre o psdb e pfl em 1993 e a vitória de Fernando Henrique Cardoso nas eleições de 1994. Assim, uma mesma orientação jurisprudencial manteve-se com a redefinição das alianças e a formação de um projeto político para a nova coalizão dirigente. Foi a partir de 1996-97, quando o governo Fernando Henrique iniciou reformas administrativas e previdenciárias que modificavam profundamente a organização do Estado brasileiro, que a maioria dos ministros do Supremo apresentou as primeiras fissuras importantes, chegando a formar-se nova maioria que modificou, em alguns pontos, as regras da ação de controle concentrado de constitucionalidade, fixados pela jurisprudência.

Por outro lado, essa política restritiva do controle da constitucionalidade que se estendeu do regime autoritário para a nova ordem constitucional sedimentou um conjunto de regras e conceitos sobre o processo do controle da constitucionalidade. Ela configurou importantes obstáculos para os grupos sociais que se mobilizaram para promoverem seus direitos reconhecidos pela nova Constituição e para defenderem esses mesmos direitos de políticas. Adicionalmente, cabe salientar que as regras sedimentadas conformaram teorias e ideais normativos de juristas brasileiros (e, por extensão, dos cientistas políticos). Elas representam importante obstáculo para a adequada problematização teórica sobre a jurisdição constitucional no Brasil.

Conclusão

 

Este capítulo partiu da ênfase sobre a variedade das relações entre direito e política, das suas relações com a estrutura social, e de como a análise da reflexão jurídica é incontornável para compreendê-las. Se as diferenças entre pesquisa em direito e ciência política são de perspectiva, é necessário que a complexidade das relações entre direito e política seja reconhecida por esses campos de pesquisa. Então, a divisão do trabalho entre pesquisadores não deve ser delimitada por uma definição meramente instrumental dos seus objetos ou das relações entre eles.

A pesquisa em ciência política sobre o direito, a política e o Judiciário deve enfocar de forma sistemática as suas relações de constituição mútua. Não se deve adotar acriticamente teorias formuladas em outros contextos e debates, nem as teses da doutrina jurídica. As teorias sobre a judicialização e o ativismo partem de concepções específicas e limitativas do Poder Judiciário, que são insuficientes para considerar o papel do direito, dos direitos de cidadania e do Judiciário na construção da democracia na sociedade brasileira.

O controle da constitucionalidade no Brasil pós-1988 deve ser pesquisado a partir de uma perspectiva ao mesmo tempo histórica, política e jurídica, pois a trajetória da instituição no regime anterior se projeta sobre sua prática jurídica e, conseqüentemente, para o seu papel político pós-1988. A pesquisa sobre o sentido político da criação do controle abstrato de leis federais sob o regime militar é fundamental para analisar as regras elaboradas pela jurisprudência do stf naquele período, as quais, por sua vez, foram “incorporadas” pelos ministros do stf e aplicadas à ordem constitucional pós-1988.

Para finalizar, indicam-se temas para pesquisa, em que a variedade da atuação do stf em diversos domínios, considerada até 2004, aparece de forma simplificada e com afirmações contrapostas.

A atuação do tribunal parece ser mais efetiva no plano da organização, coordenação e controle do processo eleitoral do que no da justiça política, incluída a responsabilidade dos representantes políticos e outros dirigentes do estado. Atua como organizador do processo democrático de seleção dos dirigentes políticos, mas não como garantidor do exercício responsável desses poderes.

Parece ser mais efetiva no controle da constitucionalidade de leis e atos normativos estaduais do que os federais. Sua atuação é maior como tribunal para a supremacia do direito federal e para a arbitragem dos conflitos internos aos entes federativos, dando às soluções orientações conformes à coalizão política majoritária no plano federal.

Parece ser mais efetiva no controle da validade de atos normativos inferiores do Executivo federal do que dos seus atos normativos primários. Seu papel é de superior tribunal administrativo, mais do que de freio às tentativas presidenciais de exercício “imperial” de seus poderes.

No campo dos atos normativos federais, tanto do Congresso quanto do Presidente da República, o stf controla-os mais do ponto de vista das formas e procedimentos do que de sua compatibilidade material com a Constituição. Atua como regulador das relações entre os poderes do Estado, do que preservador dos compromissos ou programas substantivos presentes na Constituição

No campo dos direitos, sua atuação parece ser mais efetiva para a proteção de direitos civis, os da chamada “primeira geração”, em particular os de caráter patrimonial, do que os direitos de participação política, os sociais, coletivos e comunitários, como os direitos à diferença e à auto-organização social.

Essas tendências, apresentadas de forma telegráfica, são sugestões de temas para analisar os padrões de atuação do stf, e de suas relações com os demais poderes, com a federação e a cidadania. Considera-se que a forma mais promissora para entender esses temas é a sugerida ao longo do texto: o de uma análise política que se volte à reconstrução histórica daqueles padrões, tomando como ponto de partida os determinantes sociais mais gerais, considerando o processo político e de construção institucional do Judiciário, e do stf em particular. O objetivo específico seria analisar a formação e a mudança das teorias e conceitos jurídicos nos processos decisórios. Os comportamentos estratégicos dos juízes se dão em contextos institucionais situados, nos quais conceitos e teorias jurídicas aparentemente “dados” pela tradição são construídos historicamente em suas próprias práticas decisórias.

1 Transcrita por Luciana Silva Reis [lucianasilvareis@gmail.com]; Texto não revisado, favor não citar sem a autorização do autor.

* Professor do Depto. de Ciência Política do ifch-Unicamp, coordenador do Grupo de Pesquisas sobre Política e Direito (gpd-Ceipoc-Unicamp) e pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas sobre os Estados Unidos (do ineu-cnpq).

2 O art. 60 do Código Criminal estabelecia a comutação em açoites das condenações dos escravos por crimes que não fossem punidos com a morte ou galés. O art. 14, § 6, do mesmo Código dispunha que não seriam puníveis como crimes “o castigo moderado, que os Pais derem a seus filhos, os senhores a seus escravos, e os mestres a seus discípulos”. Entre as circunstâncias agravantes da pena estava a hipótese de que o ofendido pelo crime tivesse a “qualidade de ascendente, mestre ou superior do delinqüente”, ou tivesse com o ofensor qualquer relação na qual este devesse respeito filial ao ofendido”, o que incluía os escravos ou libertos, que eram juridicamente classificados como órfãos, sob a tutela de seus senhores (art. 16, § 7 do Código Criminal). As denúncias propostas por alguma pessoa contra seus próprios familiares ou as de escravo contra seu senhor não seriam aceitas pelas autoridades públicas (art. 75 do Código de Processo Criminal). Ver Andrei Koener. “Punição, Disciplina e Pensamento Penal no século xix”, Lua Nova, vol. 68, 2006, pp. 205 a 242.

3 David Easton. Uma teoria de análise política, Gilberto Velho (trad.), Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1968.

4 Outra possibilidade seria pensar sistema de justiça como sinônimo de sistema jurídico e daí se poderia pensar numa sociologia jurídica como a de Luhmann (Niklas Luhmann. Legitimação pelo procedimento, Brasília, Editora Universidade de Brasilia, 1980).

5 Michael W. McCann. “Poder judiciário e mobilização do direito: uma perspectiva dos ‘usuários’”, Seminário Nacional sobre Justiça Constitucional. Centro Cultural da Justiça Federal: Revista emarf, Cadernos Temáticos, 2010. pp. 175 a 196 [http://www.trf2.gov.br/emarf/documents/revistaemarfseminario.pdf].

6 Este ponto será desenvolvido na próxima seção.

7 Steven M. Teles. The rise of conservative legal movement: the battle for control of the law, Princeton, Princeton University Press, 2008; Erwin Chemerinsky. The conservative assault on the constitution, New York, Simon & Schuster, 2010.

8 Raoul Berger. Government by judiciary: the transformation of the fourteenth amendment, Cambridge, Harvard University Press, 1977.

9 William H. Rehnquist. “The notion of a living constitution”, Texas Law Review, 54, 1976.

10 Richard A. Posner. Economic analysis of law, Boston, Little, Brown and Company, 1986.

11 International Political Science Review, 15(2), abril de 1994.

12 Chester Neal Tate e Torbjorn Vallinder. The global expansion of judicial power, New York, New York University Press, 1995.

13 Débora Alves Maciel e Andrei Koener. “Sentidos da judicialização da política: duas análises”, Lua Nova, 2002, pp. 113 a 134; Andrei Koerner, Celly Cook Inatomi, et al. (eds.). “Sobre o judiciário e a judicialização”, em Luís Eduardo Pereira da Motta e Maurício Mota. O Estado Democrático de Direito em questão: teorias críticas da judicialização da política, Rio de Janeiro, Campus-Elsevier, pp. 149 a 180.

14 Tate e Vallinder. The global expansion of judicial power, cit.

15 Chester Neal Tate “Comparative Judicial Review and Public Policy: concepts and overview”, in Donald W. Jackson e Chester Neal Tate (eds.). Comparative Judicial Review and Public Policy, Westport, Greenwood Press, 1992, pp. 3 a 15; Ver também Kenneth M. Holland. Judicial activism in comparative perspective, New York, St. Martin Press, 1992.

16 Donald W. Jackson. “Original intent, strict construction and judicial review: a framevork for comparative analysis”, in Donald W. Jackson e Chester Neal Tate (eds.). Comparative Judicial Review and Public Policy, Westport, Greenwood Press, 1992, pp. 179 a 199.

17 Para uma apresentação do tema, com um objetivo quantitativo, Stefanie Lindquist e Frank Cross. Measuring judicial activism, Oxford, Oxford University Press, 2009. Para uma crítica dessa problemática, ver Kermit Roosevelt iii. The myth of judicial activism: making sense of Supreme Court decisions, Yale, Yale University Press, 2006.

18 Ver, por exemplo, as discussões dos ministros do stf nas Adins sobre a promoção para o Tribunal de Justiça dos juízes nomeados pelo “quinto” constitucional para o Tribunal de Alçada (Adins n.os 27 e 29, seguidas pelas de n.os 654 e 587).

19 Oscar Dias Correa. O Supremo Tribunal Federal, Corte Constitucional do Brasil, Rio de Janeiro, Forense, 1987; Javier Martinez-Lara. Building democracy in Brazil: the politics of constitutional change 1985-1995, New York, St. Martin’s Press, 1996.

20 Andrei Koerner. O Supremo Tribunal Federal na Constituinte e a Constituinte no Supremo, Seminário “Em Busca do Processo Constituinte”, Antonio Sérgio Carvalho Rocha e E. G. Noronha, Universidade Federal de São Carlos, 2009. O banco de dados chama-se “Poli”, disponível no cis – Consórcio de Informações Sociais [www.cis.org.br], coordenado pelo prof. Brasílio Sallum Júnior, do Depto. de Sociologia da usp.

19 Saulo Ramos. Assembléia Constituinte: o que pode; O que não pode: natureza, extensão e limitação de seus poderes, Rio de Janeiro, Alhambra, 1987; Manoel Gonçalves Ferreira Filho. Ideias para a nova constituição brasileira, São Paulo, Saraiva, 1987.

22 A criação do cnj modificou parcialmente a situação, mas o controle é realizado fundamentalmente por juízes, dada a limitada presença de conselheiros externos à magistratura e às profissões jurídicas, dos quais apenas dois são indicados pelo Congresso e não há o Executivo.

23 Para uma crítica constitucionalista, ver Paulo Bonavides. Do país constitucional ao país neocolonial (a derrubada da constituição e a recolonização pelo golpe de Estado institucional), São Paulo, Malheiros Ed., 1999. Para uma revisão dos trabalhos de ciência política, Andrei Koerner. “Direito e modernização periférica: por uma análise sócio-política do pensamento jurídico constitucional brasileiro pós-1988”, in Cicero Araujo e Javier Amadeo (eds.). Teoria politica Latino-Americana, Caxambu (MG), Editora Hucitec e Fapesp, 2005, pp. 337 a 362.

24 Para uma apresentação da pesquisa, Andrei Koerner, Márcia Baratto, et al. Pensamento jurídico e decisão judicial: o processo de controle concentrado em decisões do Supremo Tribunal Federal pós-1988, 31.° Encontro Anual da anpocs, Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais, Caxambu, MG, 2007.

25 José Carlos Moreira Alves. “A evolução do controle da constitucionalidade no Brasil”, in Sálvio de Figueiredo Teixeira (ed.). As garantias do cidadão na justiça, São Paulo, Saraiva, 1993, pp. 1 a 14.

26 Outro tema a ser objeto de análise crítica é o do “sistema misto”. Koerner, Andrei. “Sobre o Controle da Constitucionalidade no Brasil pós-88 –o ‘modelo misto’ em questão”. Comunicação no 34 Encontro da anpocs - Associação Nacional de Pós-Graduação em Ciências Sociais ST 17– Judiciário Ativismo e Política, coordenado por Fabiano Engelmann e Giselle Citadino, Caxambu-Mg, outubro de 2010).

27 Walber de Moura Agra. A reconstrução da legitimidade do Supremo Tribunal Federal: Densificação da jurisdição constitucional, São Paulo, Forense, 2004; Luis Roberto Barroso. O Direito Constitucional e a efetividade de suas normas: limites e possibilidades da Constituição Brasileira, São Paulo, Renovar, 2002; Juliano Taveira Bernardes. Controle abstrato de constitucionalidade: elementos materiais e princípios processuais, São Paulo, Saraiva, 2004; Gustavo Binenbojm. A nova jurisdição Constitucional Brasileira: legitimidade democrática e instrumentos de realização, Rio de Janeiro, Renovar, 2004; Paulo Bonavides. Curso de direito constitucional, São Paulo, Malheiros, 2005; Alvaro Ricardo de Souza Cruz. Jurisdição constitucional democrática, Belo Horizonte, Del Rey, 2004; Gilmar Ferreira Mendes. Jurisdição constitucional: o controle abstrato de normas no Brasil e na Alemanha, São Paulo, Saraiva, 2005; Ronaldo Poletti. Controle da constitucionalidade das leis, Rio de Janeiro, Forense, 1985; José Alfonso da Silva. Curso de direito constitucional positivo, São Paulo, Malheiros, 2005; Paulo Hamilton Siqueira Jr. Direito processual constitucional: de acordo com a reforma do judiciário, São Paulo, Saraiva, 2006; Nagib Slaibi Filho. Breve história do controle de constitucionalidade, Academia Brasileira de Direito Processual Civil [www.abdpc.org.br], p. 26; Blanca Stamato. Jurisdição constitucional, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005; Manoel Antônio Teixeira Filho. O controle jurisdicional da constitucionalidade das leis e dos atos normativos do poder público, São Paulo, LTr, 1985.

28 Para a análise que segue, foram consultados Moreira Alves. A Evolução..., cit.; Silva. Curso de direito constitucional positivo, cit.; Oswaldo Luiz Palu. Controle de constitucionalidade: conceitos, sistemas e efeitos, 2.ª ed., rev., ampl. e atual. de acordo com as Leis 9.868 e 9882 de 1999, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 2001, e Mendes. Jurisdição constitucional..., cit.

29 Silva. Curso de direito constitucional positivo, cit., pp. 51 e ss., 87 e ss.; Mendes. Jurisdição constitucional..., cit., pp. 39, 68; Palu. Controle de constitucionalidade..., cit., pp. 120 e 125.

30 Note-se de passagem, que autores estrangeiros trabalham o controle da constitucionalidade não só do ponto de vista processual, mas também estrutural, das relações entre os poderes, e das relações do controle da constitucionalidade com outros institutos, tanto de direito processual quanto outros processos que ocorrem no sistema político. Ver, por exemplo, Mauro Cappelletti. La giurisdizione costituzionale delle libertà. Primo studio sul ricorso costituzionale (con particolare riguardo agli ordinamenti tedesco, svizzero e austriaco), Milão, Giuffrè, 1955; íd. O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito comparado, Porto Alegre, Sergio Fabris Ed., 1992; Hans Kelsen. Jurisdição constitucional, São Paulo, Martins Fontes, 2003.

31 Alves. A evolução..., cit.

32 Mendes. Jurisdição, cit., pp. 68 e 79.

33 Clève. A fiscalização abstrata..., cit.; Poletti. Controle..., cit.

34 Nota-se uma clara polarização a respeito dessas questões entre juristas favoráveis ou contrários ao regime, com algumas exceções. Andrei Koener. “Uma Análise Política do Processo de Representação de Inconstitucionalidade pós-1964”, Seminário Nacional sobre Justiça Constitucional. Centro Cultural da Justiça Federal, Revista emarf, Cadernos Temáticos, 2010, pp. 299 a 328.

35 Paulo Napoleão Nelson Basile Nogueira da Silva. O controle da constitucionalidade e o senado, 2.ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2000. No início da década de setenta, a comunicação ao Senado da decisão de inconstitucionalidade em representação não era problematizada. Ver, por exemplo, Rosas, R. Processos da competência do stf, Ed. RT, 1971, p. 19.

36 Rogério Bastos Arantes. Judiciário e política no Brasil, São Paulo, Idesp, Sumaré, Fapesp, Educ. 1997; Marcos Faro de Castro. “O Supremo Tribunal Federal e a judicialização da política”, Revista Brasileira de Ciências Sociais, 12, 1997; Cristina Carvalho Pacheco. O Supremo Tribunal Federal e a Reforma do Estado: Uma análise das Ações Diretas de Inconstitucionalidade julgadas no primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso (1995-1998), Depto. de Ciência Política, Universidade Estadual de Campinas, 2006; Luiz Werneck Vianna. A judicialização da política e das relações sociais no Brasil, Rio de Janeiro, Revan, 1999; Oscar Vilhena Vieira. Supremo Tribunal Federal: jurisprudência política, São Paulo, Ed. RT, 1994.

37 Adirson de Barros. Março, geisel e a revolução brasileira, Rio de Janeiro, Artenova, 1976; Paulo Brossard. É hora de mudar, Porto Alegre, L&PM, 1977; Walder de Góes. O Brasil do general geisel, Rio de Janeiro, 1978.

38 As Emendas foram consideradas ilegítimas por autores que argumentavam que os poderes excepcionais do Presidente durante o fechamento do Congresso, conferidos pelo AI-5, não compreendiam o poder de emenda constitucional e só o de legislação ordinária. Ver Geraldo Ataliba. “Rigidez constitucional e reforma do judiciário”, Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, vol. 9, 1976, pp. 45 a 50, 1976; Benedito Calheiros Bonfim. A reforma do judiciário, Rio de Janeiro, Ed. Trabalhistas, 1977, p. 98. Contra essa opinião, baseando-se na teoria da auto-legitimação das revoluções, Paulino Jacques. As emendas constitucionais n.os 7, 8 e 9 explicadas: com os respectivos textos, na íntegra e índice temático, Rio de Janeiro, Forense. 1977, p. 104.

39 Esse ponto mereceria melhor formulação. Esse formalismo não é característico de Corte Constitucional. Porque a Corte Constitucional, justamente, está, como legislador negativo, como uma espécie da contraparte do Parlamento. Em Kelsen, as dimensões da forma e do conteúdo acabam por se confundir, na medida que o exame do conteúdo de uma norma pode ser equiparado à verificação de sua conformidade às regras superiores que investiram a autoridade que criou a norma em exame.