El aislamiento como fuente
de resocialización
Breno Timbó Magalhães Bizarria*
mn
Isolation as a source of resocialization
Resumen
Tema de gran importancia y contribución al cambio de paradigmas, surge de las teorías de ventilación adoptadas, el cuidado de un mayor procesamiento como un medio para resolver la crisis de la política criminal, aportado por el clamor público de una mayor eficacia y la lucha contra el crimen. El objetivo de este trabajo es exponer las tendencias actuales de un mundo moderno represor y explicar su ineficacia en, sobre todo, la sociedad de derecho democrático. Se comprueba la relevancia del tema y se observan las innovaciones propuestas, teniendo en cuenta las repercusiones y el atractivo social, en contrapunto al aislamiento de las personas.
Palabras clave: Criminalidad; Represión penal, Aislamiento, Política criminal.
Abstract
Issue of great importance and contribution to the paradigm shift arises from the theories of ventilation adopted, care of further processing as a means to resolve the crisis of criminal policy, provided by the public clamor for greater efficiency and control crime. The aim of this paper is to present the current trends of the modern world repressor and explain their inefficiency, especially democratic constitutional society. The relevance of the subject is checked and the proposed innovations are observed, taking into account the social impact and attractive counterpoint to the isolation of individuals.
Keywords: Crime, Criminal Enforcement, Privacy, Criminal Policy.
Fecha de presentación: 11 de septiembre de 2012. Revisión: 28 de octubre de 2012. Fecha de aceptación: 4 de diciembre de 2012.
ef
Introdução
A população, cansada com o alto índice de violência e impunidade, acaba clamando pela aprovação de meios cruéis e ilegais no trato com os transgressores das leis penais, transferindo ao Estado a liberalidade de agir de forma ilimitada, e é nessa tendência que a teoria do Direito Penal do Inimigo, sob a ótica de um “Estado de Exceção”, ganha mais adeptos, ao combater a criminalidade de forma excepcional, em detrimento dos direitos fundamentais.
Os que defendem os direitos dos criminosos têm sido rechaçados com a justificativa de que as verdadeiras vítimas seriam os cidadãos, que sofrem com a crescente violência sustentada pelo descumprimento da garantia de prover a segurança pública, atribuída ao Estado.
Essa sensação de insegurança social faz nascer nas pessoas um desejo pela adoção de medidas repressivas mais violentas. Podemos dizer que estamos nos debatendo com inimigos ocultos.
Infelizmente, fatos dessa natureza, demonstram a falta de sensatez de determinados operadores do direito, que se utilizam desse “gancho” para incutir ideais repressivos, o que denota um retrocesso social, pois há pouco tempo se buscava substituir as penas privativas de liberdade por penas alternativas, como as restritivas de direitos e de multa, ou seja, quando a restrição ao direito de liberdade somente seria utilizada quando do esgotamento das possibilidades de controle extra penal.
Como se sabe o Estado tem o dever de zelar pela dignidade humana e, ao tratar um ser humano como um perigo eminente, utilizando-se de penas desproporcionalmente altas e suprindo determinadas garantias processuais, passará a descumprir a sua função de Estado Democrático de Direito.
Sob um verdadeiro clima punitivista, a tendência atual dos legisladores é de reagir com rigor na luta contra a criminalidade.
Pelo que, a intenção é proporcionar maiores poderes ao Estado no combate à criminalidade, gerando uma repressão intensa ao indivíduo que se afasta do ordenamento, em busca do “bem-estar social”.
Não há dúvidas de que a violência e o crime sempre vão estar presentes em uma sociedade, pois se tratam de comportamentos sociais inseparáveis da natureza humana, sendo o próprio ser humano o responsável pela sua limitação e dosagem, ou seja, é a população que mede até onde ela suporta a onda de crime que vem ocorrendo em todo o mundo, fazendo com que haja reação de forma positiva ou negativa, diante de cada situação.
Com isto, pode-se perceber que a violência nas ruas está sendo o grande causador da insegurança individual e coletiva, responsável pela disposição de uma sociedade tão encarceradora, concomitantemente trazendo grandes dúvidas e controvérsias no âmbito social e político. Assim sendo, verifica-se que é neste campo faz surgir teorias como a do Direito Penal do Inimigo, causando conflitos entre os pensamentos dos que defendem e dos que “arrasam” os direitos humanos, favoráveis a implementação de um “Estado de Exceção”.
Aqui, busca-se verificar a pertinência do tema abordado e observar as transformações bruscas propostas por este instituto, considerando a sua repercussão, trazida pelo clamor social.
Meios de punição
O mundo busca alternativas para alterar o modo de punição, na ânsia de se chegar a meios mais apropriados de repreender aqueles que incorrem a prática delituosa, como apreendemos nas palavras de Nilo Batista:
O processo de mudança social, dos resultados que apresentem novas ou antigas propostas de direito penal, das revelações empíricas propiciadas pelo desempenho das instituições que integram o sistema penal, dos avanços e descobertas da criminologia, surgem princípios e recomendações para a reforma ou transformação da legislação criminal e dos órgãos encarregados de sua aplicação. A esse conjunto de princípios e recomendações denomina-se política criminal1.
Existem duas teorias extremas da pena, as quais versam sobre o fundamento e a finalidade da pena, que de forma bem acentuada trazem pensamentos antagônicos a respeito da punição, mas que condiz com a realidade vivida, pois bem sabemos que as diferenças existentes retratam os dois extremos, os que defendem outros meios de punição que não seja pela privação da liberdade, teoria do abolicionismo penal, e aqueles que ainda tratam à pena como característica a excessiva severidade da punição, a do direito penal máximo.
O abolicionismo penal justifica que o método utilizado atualmente, o encarceramento, não demonstra nenhum resultado positivo à diminuição da criminalidade, além do que os índices de reincidência mostram-se cada vez mais elevados. Destacamos ainda que os meios de punição através da não privação da liberdade trariam uma solução para o caos do sistema penitenciário. Como sublinha Guilherme Nucci:
Não há duvida de que, por ora, o abolicionismo penal é somente uma utopia, embora traga à reflexão importantes conceitos, valores e afirmativas, demonstrando o fracasso do sistema penal atual em vários aspectos, situação que necessita ser repensada e alterada2.
Corroborando com a idéia exposta, Luigi Ferrajoli, arremata:
O abolicionismo penal – independentemente dos seus intentos liberatórios e humanitários – configura-se, portanto como uma utopia regressiva que projeta, sobre pressupostos ilusórios de uma sociedade boa ou de um Estado bom, modelos concretamente desregulados ou auto-reguláveis de vigilância e/ou punição, em relação aos quais é exatamente o direito penal – com o seu complexo, difícil e precário sistema de garantias – que constitui, histórica e axiologicamente, uma alternativa progressista3.
Dessa forma, contata-se que a utilização de meios ríspidos deve somente ser aplicada, quando inviável e ineficaz a produção de outras medidas, sendo, a coação, já utilizada por sociedades regressas a qual não gerou efeito a melhor qualidade de vida da população, não produzindo nenhuma eficácia na diminuição da criminalidade.
Sabe-se que a verdadeira prevenção advém da construção de uma sociedade mais justa, com menos privações, onde a pena de privação da liberdade seja posta apenas para aqueles que efetivamente representem um risco para a sociedade.
Direito penal do inimigo
Baseada nas políticas públicas de combate a criminalidade, que representam um tipo de Direito Penal que se confronta com os princípios liberais do Estado Democrático de Direito, nasceu a teoria a qual nos reportamos, reconhecendo duas formas de tratamento: o do cidadão, em que se espera que se exteriorize sua conduta para reagir, com o fim de confirmar a estrutura normativa da sociedade; e do inimigo, que é interceptado no seu estado prévio, antes do cometimento da infração, por motivo da sua periculosidade, notadamente uma exceção.
Essa mudança de estrutura social implicaria na concessão de poderes ilimitados ao Estado, construindo o receio da criação de uma população sem direitos.
Günther Jakobs, doutrinador alemão criador do funcionalismo sistêmico ou radical, sustenta que o Direito Penal tem a função primordial de proteger a norma e só indiretamente tutelar os bens jurídicos fundamentais.
Em 1985, na Revista de Ciência Penal zstw, nº 97, Jakobs enunciou a teoria Feindstrafrecht – Direito Penal do Inimigo, com base em políticas públicas de combate à criminalidade em âmbito nacional e internacional.
O Direito Penal é um importante instrumento de controle social que tem por funções precípuas: proteger bens jurídicos, limitar a atuação do Estado, prevenir a vingança privada e reduzir a violência por meio de aplicação de sanções.
Rogério Grecco4 assevera que o Direito Penal objetiva tutelar bens que, por serem extremamente valiosos, não só do ponto de vista econômico, mas também político, não podem ser protegidos de maneira satisfatória pelos demais ramos do Direito.
Jakobs defendeu a idéia de que o Direito Penal não atenderia a esta finalidade, porque, na oportunidade de sua aplicação, o bem jurídico tutelado já haveria sido previamente violado. Na verdade, a proteção deveria ser direcionada à norma e à garantia de sua vigência, dado que os bens se convertem em jurídicos à medida que são transpostos para normas.
A partir das idéias propostas por Jakobs, temos que o Direito Penal serviria como um instrumento público a serviço do Estado e não como uma medida de ultima ratio voltada para a proteção dos Direitos Humanos.
O funcionalismo penal de Jakobs está pautado em categorias de cunho sociológico, fortemente influenciado pela Teoria dos Sistemas de Niklas Luhmann, e orientado por critérios de prevenção geral positiva.
Podemos destacar da linha de pensamento Luhmmaniano o vínculo do sistema social com todas as formas de comunicação e a noção de bem-jurídico penal. O próprio Jakobs assinala que:
O Direito Penal não se desenvolve na consciência individual, mas na comunicação. Seus atores são pessoas (tanto o autor como a vítima e como o juiz) e suas condições não são estipuladas por um sentimento individual, mas da sociedade. A principal condição para uma sociedade que é respeitosa com a liberdade de atuação é: personalização de sujeitos. Não trato de afirmar que deve ser assim, mas que é assim5.
Desse modo, Jakobs adotou novos conceitos para os elementos componentes da infração penal. Delito passa a significar a frustração das expectativas normativas. Pena é a confirmação da vigência da norma infringida, tendo por objetivo primordial prevenir o delito por meio da confirmação da norma, devendo esta ser considerada, portanto, um fato social.
A conduta é um comportamento humano socialmente relevante e capaz de causar um resultado evitável, violador do sistema. A adequação social da conduta sai da esfera da tipicidade para afastar a própria conduta. O injusto penal dependerá da ausência de causas de justificação, exigindo, nesse passo, a intervenção do Direito Penal para proteger o sistema. A culpabilidade está completamente ligada à finalidade preventiva geral da pena.
Para explicar o Direito Penal do Inimigo, Günther Jakobs apresenta duas tendências em oposição dentro de um mesmo plano jurídico, quais sejam: o Direito Penal do Inimigo e o Direito Penal do Cidadão.
O Direito Penal do Cidadão tem o escopo de eliminar perigos. Define e sanciona delitos ou infrações normativas realizados de modo episódico, como expressão do errado, excessivo ou injusto, por indivíduos com status de cidadãos. Para Jakobs, o delito praticado por um cidadão representa um desgaste da sociedade, de modo que este deverá equilibrar o dano à vigência da norma.
O autor, apesar da prática de fato delituoso, oferece garantias de fidelidade ao ordenamento jurídico. Por isso, pelo menos em princípio, o ordenamento jurídico deve inserir dentro do Direito o criminoso para que este possa voltar a se entender com a sociedade, reparar os danos a que deu causa e conservar seu status de cidadão.
O Direito Penal do Inimigo distingue o “cidadão-delinqüente” do “inimigo”. Os inimigos são pessoas hostis à sociedade e ao Direito. Os inimigos são indivíduos que não oferecem garantias cognitivas de que continuarão fiéis à norma, refletem seu distanciamento não apenas incidental em relação ao Direito, demonstrando esse déficit através de práticas delituosas. São exemplos de inimigos: terroristas, narcotraficantes, delinqüentes organizados, criminosos econômicos, autores de delitos sexuais, entre outros.
A transmutação de “cidadão” para “inimigo” dependerá de alguns fatores, tais como: reincidência, profissionalismo delitivo, habitualidade, gravidade do delito, bem como, a inserção do indivíduo em organizações estruturadas para fazer oposição ao Direito. Os inimigos representam perigos que ameaçam a existência da sociedade, pois seus comportamentos já não atendem as expectativas normativas vigentes.
Jakobs considera primordial a existência de um Direito Penal do Inimigo para manter a vinculação do Direito Penal à noção de Estado de Direito. Esse Direito seria distanciado dos fins precípuos do Direito Penal para assegurar uma prevenção geral de intimidação, outrossim, seria uma legislação de guerra, contra o inimigo.
O indivíduo que optar por não ingressar no estado de cidadania não terá por que receber os benefícios da condição de pessoa. Desse modo, o inimigo não pode ser considerado um sujeito processual, por exemplo. Cabe ao Estado não reconhecer seus direitos, porque contra ele se aplica um procedimento de guerra, caso contrário à segurança das demais pessoas ficará por demais fragilizada.
O fim maior do Direito Penal do Inimigo é a segurança cognitiva. A sociedade, uma vez consciente dos riscos, passa a ter necessidade de sobrepesar a antijuridicidade e a efetividade das normas. Para Jakobs, o problema nuclear do Direito Penal moderno é justamente tal conflito. A imposição de penas deve ter caráter eminentemente preventivo. Fato típico, à vista disso, não se configuraria como lesão a bens jurídicos, mas como lesão à própria juridicidade.
O Direito Penal dos cidadãos visa tutelar as esferas de liberdade e consiste no direito de todos, em que se espera que o “cidadão” exteriorize sua conduta para que o Estado possa reagir, com o fim de confirmar a estrutura normativa da sociedade. O Direito Penal do Inimigo é a disciplina jurídica da exclusão dos inimigos, expressão de pura reação defensiva de fato frente a sujeitos que perderam a condição de pessoa, é a eliminação antecipada da fonte de perigo que constitui o homem definido como inimigo, pois ele é interceptado no seu estado prévio, antes do cometimento da infração, por motivo da sua periculosidade.
Embora a teoria do Direito Penal do Inimigo tenha sido lançada em 1985, somente foi plenamente desenvolvida a partir da década de 1990. Moraes6 sintetizou o suporte filosófico utilizado por Jakobs, de forma que os comentários a seguir terão como base tal pressuposto, que muito contribuíram na formação teórica, tendo ajudado na elaboração da definição e características e estruturação daquele considerado o inimigo do Estado.
Rousseau opina que o malfeitor, ao infringir o contrato social, converter-se-á em um traidor da pátria, deixará de ser membro da sociedade e passará a estar em guerra contra o Estado, logo, deverá morrer porque a conservação do Estado é incompatível com a sua.
Fichte entende que quem infringir o contrato cidadão deverá perder, em rigor, todos os seus direitos como cidadão e como ser humano.
Kant também assevera que aquele que não tenha entrado no estado civil – legal de cidadão ou tenha dele se retirado representa uma constante ameaça contra a sociedade e o Estado, portanto deverá ser tratado como inimigo.
Hobbes, diferentemente dos demais, expressa de modo claro quem são os delinqüentes aos quais deve ser negada a condição de pessoa ou de cidadão e devem ser tratados como inimigos. Cidadãos seriam os súditos de quem tem o poder supremo, o Estado; já inimigos seriam aqueles que renunciam ao pacto geral de obediência e revelam não estar dispostos a cumprir as leis da natureza e nenhuma das leis civis, por isso, nunca tiveram sujeitos à lei ou, se algum dia tiveram, passaram a não mais estar.
Sistema penal repressor e isolador
Em relação a teoria do Direito Penal do Inimigo, a dificuldade consiste na sua fácil adaptação a qualquer política criminal.
Cancio Meliá7 demonstra que o Direito Penal do Inimigo de Jakobs traduz-se como um exemplo de Direito Penal de autor, onde o agente é punido pelo seu modo de ser, por determinadas características de sua personalidade. Esta concepção justifica a sanção não pela conduta em si, mas pelo desvalor presente em alguma característica do autor, desse modo, não se proibiria matar, mas ser homicida, não se coibiria roubar, mas ser ladrão.
Segundo o Direito Penal do Inimigo, resta claro que o reprovável seria a periculosidade do agente e não sua culpabilidade, o que nos parece inaceitável, posto que o sujeito deva ser punido apenas em face da exteriorização de uma conduta legalmente descriminada como criminosa.
É de ser relevada a opinião de Luiz Flávio Gomes acerca do tema:
Desde 1980, especialmente nos EUA, o sistema penal vem sendo utilizado para encher os presídios. Isso se coaduna com a política econômica neoliberal. Cabe considerar que desde essa época vem se difundindo o fenômeno da privatização dos presídios. Quem constrói ou administra presídios precisa de presos (para assegurar remuneração aos investimentos feitos). Considerando-se a dificuldade de se encarcerar gente das classes mais bem posicionadas, incrementou-se a incidência do sistema penal sobre os excluídos. O Direito Penal da era da globalização caracteriza-se, sobretudo pela prisionização em massa dos marginalizados8.
Eugenio Raul Zaffaroni9, Ministro da Suprema Corte Argentina, criticou fortemente o denominado Direito Penal do Inimigo quando salientou que o Estado, para dominar, deve ter estrutura e ser detentor do poder punitivo, tendo em vista que se não contar com limites passa a ser considerado um Estado de Polícia em detrimento de um Estado de Direito; para que um sistema penal seja exercido de forma permanente, deverá o Estado sempre estar procurando um inimigo; o poder político é a defesa contra os inimigos; o Estado, segundo essa teoria, passa à condição de vítima.
Ademais, é um Direito Penal prospectivo, ao invés de retrospectivo, fato que viola frontalmente o basilar princípio da legalidade. Há violação, outrossim, ao princípio do devido processo legal, uma vez que as regras do processo democrático não são seguidas para dar vazão a um manifesto procedimento de guerra. Perdem valia as garantias penais materiais e processuais.
Ao ensejo dessas considerações, Luis Gracia Martín, citado por Cezar Roberto Bitencourt, defende a seguinte crítica:
Se o Direito Penal dirige suas normas ao indivíduo, ao homem de carne e osso, isto é, ao homem empírico, da realidade, no momento de processá-lo e condená-lo não pode mudar de critério e encará-lo como normativamente, como homem normativo ou jurídico (tal como faz jakobs). No Direito Penal, tanto o sujeito da imputação como o do castigo é a pessoa humana empírica, não a normativa10.
Cumpre-nos observar, ainda, que o Direito Penal somente pode ser considerado legítimo quando vinculado com uma Constituição Democrática. Esta jamais admitirá que a pessoa humana seja tratada como mero objeto de coação, despida da condição de sujeito de direitos. Por conseguinte, ousamos afirmar que o Direito Penal do Cidadão é um pleonasmo vicioso e o Direito Penal do Inimigo uma grandiosa incoerência.
Desde as últimas décadas notamos que aconteceram grandes transformações regressivas no campo da política criminal, onde se verifica muitas discussões sobre o fenômeno de endurecimento das legislações penais. Vários fatores contribuem para o aumento indiscriminado da violência em todo o mundo, como, por exemplo, um imenso processo de concentração de capitais, guerras são declaradas de modo unilateral com fins claramente econômicos, crescente de desemprego, aumento da pobreza e da exclusão social, do individualismo e intolerância, entre outros.
Não raro, busca-se constatar os efeitos práticos em se buscar tratamentos especiais e diferenciados, sobretudo, diante de situações excepcionais, que se justifica pela preservação ou restabelecimento da ordem pública e da paz social, incutindo nas pessoas a falsa sensação de controle social da criminalidade, o que não é verdade.
Existem severas críticas na diferenciação da abordagem de um grupo não claramente identificável, mas vem se tornando bastante comum, principalmente no campo do Direito Penal, discutir sobre o assunto, buscando formas de aceitação de um Estado de Exceção.
Tal discussão busca melhor entender a relação existente entre Estado e Criminoso, com o consequente risco de se renunciar direitos em favor do Estado, na ambição de buscar soluções imediatas aos problemas da sociedade.
Diante de tais manifestações, em face do descontrole social ocasionado pela falta de preparo e acompanhamento do poder Estatal no combate a crescente e constantes evoluções de ordens criminosas, o isolamento ou retirada do criminoso do convívio social, está virando regra.
A busca pela ressocialização e inserção daqueles que cometeram crimes está sendo deixada de lado, para somente se pensar em isolá-los da sociedade.
Conclusão
O presente artigo foi desenvolvida para realizar uma análise sobre o as atuais tendências de combate a criminalidade, a exemplo a teoria desenvolvida por Gunter Jakobs, criador do funcionalismo sistêmico ou radical, o Direito Penal do inimigo. Tal teoria visa estabelecer determinados tipos penais aplicáveis àqueles considerados “inimigos” do Estado.
A ausência de segurança pública a contento tem gerado o aumento da criminalidade a cada dia, o que enseja sentimentos de inquietação e revolta por parte da sociedade, que a todo o momento reage e reclama do Poder Público a edição de leis e a promoção de ações com maior cunho repressivo. Por tal motivo, o que a priori deveria ser medida de ultima ratio, vem, a contrario sensu, sendo utilizada como principal meio para se buscar a tão desejada paz social.
O Direito Penal, que tem por funções precípuas proteger bens jurídicos, limitar a atuação do Estado, prevenir a vingança privada e reduzir a violência por meio de aplicação de sanções, vem sendo instigado a agir de forma oposta.
Ocorre que, em um Estado Democrático de Direito, hão de ser preservados os princípios constitucionais, sobretudo o da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da dignidade da pessoa humana, da humanização das penas, da exclusiva proteção de bens jurídicos, da intervenção mínima, da materialização do fato, da ofensividade ou lesividade, responsabilidade pessoal, responsabilidade subjetiva e culpabilidade.
Vimos que se tem priorizado a penalização generalizada, o que gera um número esdrúxulo de encarceramento de pessoas, acelerado pelo requerimento de prisões preventivas, onde a exceção acaba por virar regra geral.
Na ânsia de se resolver os problemas sociais, ocasionados pela crescente violência que assola a sociedade contemporânea, medidas excessivas e excepcionais são frutos de uma política pública irracional e irresponsável, que desembocam na completa marginalização de uma parcela social, em troca da supressão de direitos indispensáveis.
A observância de princípios constitucionais se mostra imprescindível para que o sistema penal seja humanitário, voltado para um Direito Penal mínimo e garantista. Não podemos admitir que direitos fundamentais historicamente conquistados sejam afrontados. Embora o aumento do rigor repressivo seja aparentemente necessário para impor a ordem e estabelecer a segurança, tal medida acaba por enfraquecer o Estado Democrático de Direito, por transgredir o princípio universal da dignidade da pessoa humana.
Verificamos que a existência de um sistema penal perfeito e justo traduz uma utopia, entretanto não é utópico adotar um modelo legítimo, que possa garantir a todos a observância dos direitos fundamentais.
As tão almejadas mudanças no âmbito da segurança somente poderão ser alcançadas mediante a adoção de medidas socioeconômicas e políticas, sobretudo nas áreas de educação, saúde, trabalho, transporte e habitação. Enquanto não houver sérios investimentos em políticas públicas que visem verdadeiramente a inclusão social, a problemática da violência persistirá e dificilmente será controlada com meras edições de leis mais severas.
Bibliografía
Barreto, Tobias. “Fundamentos do Direito de Punir”, Revista dos Tribunais, 727, SP: RT, 1996.
Bastos, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional, São Paulo, Saraiva, 1999.
Batista, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro, 8.ª ed., Rio de Janeiro, Revan, 2002.
Baraúna. José Roberto. Lições de Processo Penal, 2.ª ed., São Paulo, Buschatski, 1978.
Bulhões, Nabor. Valor das limitações processuais e constitucionais do direito a prova. Apud Yure Gagarin Soares De Melo. As novas perspectivas do direito penal brasileiro, Rio de Janeiro, América Jurídica.
Comparato, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos, 4.ª ed., São Paulo, Saraiva, 2005.
Ferrajoli, Luigi. Direito e razão. Teoria do garantismo penal, Ana Paula Zommer, Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavares, Luiz Flávio Gomes (trads.), São Paulo, RT, 2002.
Silva García, Germán. Criminología: Construcciones sociales e innovaciones teóricas, Bogotá, Instituto Latinoamericano de Altos Estudios –ilae–, 2011.
Silva García, Germán. Criminología: Teoría sociológica del delito, Bogotá, Instituto Latinoamericano de Altos Estudios –ilae–, 2011.
Garland, David. La Cultura Del Controle: crimen y orden social en la sociedad contemporánea, Máximo Sozzo (trad.), Barcelona, Gedisa, 2005.
Greco, Rogério. Curso de direito penal, 8.ª ed. rev., ampl. e atual., Rio de Janeiro, Impetus, 2007.
Hobbes. Thomas. Leviatã ou matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil, Tradução João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva (trads.), [S. l.]: Nova Cultural, 1997.
Jakobs. Gunther. Sociedade, norma e pessoa: Teoria de um direito funcional, v. 6, Maurício Antônio Ribeiro Lopes (trad.), São Paulo, Manole, 2003.
Leal, César Barros. Prisão, crepúsculo de uma era, 2.ª ed., Belo Horizonte, Del Rey, 2001.
Lopes, Mauricio Antônio Ribeiro. “Alternativas para o Direito Penal e o Princípio da Intervenção Mínima”, Revista dos Tribunais, ano 87, v. 757, nov. 1998.
Cancio Meliá, Manuel. “Direito penal do inimigo”, in: André Luis Callegari e Nereu José Giacomolli (orgs.). Direito penal do inimigo: noções e críticas, part. II, 3.ª ed., Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2005.
Melo, Celso Antonio Bandeira De. Curso de Direito Administrativo, São Paulo, Malheiros, 2002.
Mendes, Gilmar Ferreira. “A proporcionalidade na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal”, in Repertório iob de Jurisprudência nº. 23/94.
Moraes, Alexandre Rocha Almeida De. Direito penal do inimigo: a terceira velocidade do direito penal, Curitiba, Juruá, 2008.
Nucci, Guilherme De Souza. Manual de Direito Penal, 2.ª ed. rev., atual. e ampl., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2006.
Prado, Luiz Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro. Parte geral, v. 1, 3.ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2002.
Rousseau, Jean-Jacques. O contrato social: princípios de direito político, Antônio de Pádua Danesi (trad.), revisão da tradução de Edílson Darci Heldt, 4.ª ed., São Paulo, 2006.
Zaffaroni, Eugênio Raúl e José Henrique Pierangeli. Manual de Direito Penal Brasileiro. Parte Geral, 5.ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2004.
* Bachiller en Derecho de la Universidade de Fortaleza –unifor–, Especialista en Derecho Procesal Penal de la Escola Superior de Magistratura –esmec–, estudiante regular de Cursos de Doctorado en Derecho de la Universidad de Buenos Aires Asesor Jurídico Especial de la Procuraduría General de Justicia del Estado de Ceará, Procurador de Justicia Deportiva –stjd de futsal–, Profesor del Instituto Brasileiro de Inclusao Social –ibis–, e-mail: brenotmb@hotmail.com.
Nuevos Paradigmas de las Ciencias Sociales Latinoamericanas issn 2346-0377
vol. III, n.º 6, julio-diciembre 2012, Breno T. Magalhães B. pp. 163 a 178
1 Nilo Batista. Introdução crítica ao direito penal brasileiro, 8.ª ed., Rio de Janeiro, Revan, 2002, p. 34.
2 Guilherme De Souza Nucci. Manual de Direito Penal, 2.ª ed. rev., atual. e ampl., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2006, p. 361.
3 Luigi Ferrajoli. Direito e razão: teoria do garantismo penal, Ana Paula Zommer et al. (trad.), São Paulo, RT, 2002, p. 275.
4 Rogério Grecco. Curso de Direito Penal, 6.ª ed., Rio de Janeiro, Ímpetus, 2006, p. 5.
5 Günther Jakobs. Sociedade, norma e pessoa: Teoria de um direito funcional, Maurício Antônio Ribeiro Lopes (trad.), v. 6, São Paulo, Manole, 2003, pp. 44 y 45.
6 Alexandre Rocha Almeida De Moraes. Direito penal do inimigo: a terceira velocidade do direito penal, Curitiba, Juruá, 2008, pp. 186 a 190.
7 Günther Jakobs. Direito Penal do Inimigo: noções e críticas, André Luís Callegari e Nereu José Giacomolli (org. e trad.), 3.ª ed., Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2008, p. 59.
8 Luiz Flávio Gomes. Direito Penal do Inimigo (ou Inimigos do Direito Penal), disponível em [www.revistajuridicaunicoc.com.br/midia/arquivos/ArquivoID_47.pdf], Acesso em: 20 de outubro de 2008.
9 Ídem.
10 Cezar Roberto Bitencourt. Direito penal no Terceiro Milênio. Estudos em homenagem ao prof. Francisco Muñoz Conde. Rio de Janeiro, Lumen Júris, 2008, p. 545.