Derecho penal de enemigo.

Una lectura desde la visión agambeniana Fernando Antônio C. Alves de Souza*

 

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Criminal law of the enemy.

A reading from the agambenian vision

 

Resumen

 

Este artículo analiza el derecho penal del enemigo, el polémico trabajo de Günther Jakobs del mismo título, que pretende ser un contrapunto al escritor italiano Giorgio Agamben, autor de varias obras, entre las que se encuentra el Homo sacer, el Estado de excepción. Nos serviremos también de autores de esa escuela en el sentido que los fundamentos del derecho penal de la élite serán usados para refutar con vehemencia la Feidstrafrecht. Al tratar a los terroristas como una “no-persona”, y restringidos sus derechos, a diferencia de lo que ocurre con el ciudadano, o mejor, con la persona. Demostrar que esta conceptualización es mala porque va en contra del Estado democrático directo con una política criminal que se reflejó a otros países, con mayor o menor intensidad.

 

Palabras clave: Estado de Excepción. Homo Sacer. Derecho Penal del Enemigo.

 

Abstract

 

This article analyzes the criminal law of the enemy, the controversial work of the same title Günther Jakobs, intended as a counterpoint to the Italian writer Giorgio Agamben, author of several works, among which is the Homo sacer, the State of exception. We also serve author of that school in the sense that the foundations of the criminal law of the elite will be used to refute vehemently Feidstrafrecht. By treating terrorists as a “non-person”, and restricted their rights, unlike what happens with the city, or better, with the person. Show that this conceptualization is bad because it goes against the direct democratic state with a criminal policy that was reflected to other countries, with more or less intensity.

 

Keywords: State of Emergency. Homo Sacer. Criminal Law of the Enemy.

 

Fecha de presentación: 14 de julio de 2012. Revisión: 20 de agosto de 2012. Fecha de aceptación: 4 de diciembre de 2012.

 

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I. Quem é o inimigo?

 

O tema desse artigo é transversal, ou seja, é jurídico e sociológico e, desta forma, encontra-se no capo do que se convencionou intitular de pesquisa sociljurídica, atentando para o fato de que “A importância da Sociologia Jurídica é não só teórica (por estudar o direito como fato social básico), mas implica ainda consequências práticas”1.

Trata-se da morte do terrorista mais procurado no mundo, Osama Bin Laden, sobre a qual foi dito pela mass media, que a “guerra ao terror” tinha, finalmente, acabado, mas não contra o terrorismo, a respeito do tema Kai Ambos2, escreveu, no essencial:

 

Os terroristas, também Osama Bin Laden, são seres humanos. Como tais, eles são detentores de direitos humanos. Entre esses, encontram-se também o direito à vida, a um tratamento humano e a um processo penal justo. Os direitos humanos fundamentais vigem também em um estado de exceção. Somente de forma excepcionalíssima, o direito à vida em tempos de paz é suspenso parcialmente, mais especificamente, em casos de legítima defesa. Se é certo que Bin Laden estava desarmado e foi assassinado intencionalmente, não teria aplicabilidade a legítima defesa, pois ela requer uma agressão injusta atual às forças especiais de intervenção. Teoricamente, ainda, seria possível uma hipótese de erro sobre a situação de legítima defesa. Mas, com isso, objetivamente, o homicídio continuaria sendo um ilícito. Portanto – diferentemente do que se referiu o presidente norte-americano – ele não teria servido à justiça, mas sim a prejudicou. (grifamos).

 

Mutatis mutandis, em “uno de los textos más horripilantes del derecho penal”3, de Karl Binding e Alfred Hoche, la licencia para la aniquilación de la vida sin valor de vida4”.

O estado de exceção na ensinança de Agamben5

 

não é um direito especial (como o direito de guerra), mas, enquanto suspensão da própria ordem jurídica define seu patamar ou seu conceito limite.

 

Explica-se o que se lê acima, que Obama, de certa forma, dando continuidade à guerra ao terror, continuidade da política de W. Bush, não se há negar, este segundo Giorgio Agamben6,

 

É na perspectiva dessa reivindicação dos poderes soberanos do presidente em uma situação de emergência que se deve considerar a decisão do presidente Bush de referir-se constantemente a si mesmo, após o 11 de setembro de 2011, como Commander in chie for the army. Se, como vimos, tal título implica uma referência imediata ao estado de exceção, Bush está procurando produzir uma situação em que a emergência se torne a regra e em que a própria distinção entre paz e guerra (e entre guerra externa e guerra civil mundial) se torne impossível.

 

Ainda, o mesmo autor sobre o tema, é claro ao apontar e explicar a política criminal adotada pelos Estados Unidos, senão vejamos:

 

O significado imediatamente biopolítico do estado de exceção como estrutura original em que o direito inclui em si o vivente por meio de sua própria suspensão aparece claramente no military order, promulgada pelo presidente dos Estados Unidos no dia 13 de novembro de 2001, e que autoriza a indefinitive detention e o processo perante as military commissions (não confundir com tribunais militares previstos pelo direito de guerra) dos não cidadãos suspeitos de envolvimento em atividades terroristas. Já o USA Patriot Act, prmulgado pelo Senado no dia 26 de outubro de 2001, permite ao Attorney general “manter preso” o estrangeiro (alien) suspeito de atividades que ponham em perigo a segurança nacional dos Estados Unidos; mas, no prazo de sete dias o estrangeiro deve ser expulso ou acusado de violação da lei sobre imigração ou de algum outro delito. A novidade da “ordem” do presidente Bush está em anular radicalmente todo estatuto jurídico do indivíduo, produzindo, dessa forma, um ser juridicamente inominável e inclassificável. Os talibãs capturados no Afeganistão, além de não gozarem do estatuto do POW [prisioneiro de guerra] de acordo com a Convenção de Genebra, tampouco gozam daquele de acusado segundo as lei norte-americanas. Nem prisioneiros nem acusados, mas apenas detainees, são objeto de uma pura dominação de fato, de uma detenção indeterminada não só no sentido temporal mas também quanto a sua à sua própria natureza, porque totalmente fora da lei e do controle judiciário. A única comparação possível é com a situação jurídica dos judeus nos Lager nazistas: juntamente com a cidadania, havendo perdido toda identidade jurídica, mas conservavam pelo menos a identidade de judeus. Como Judith Butler mostrou claramente, no detainee de Guantánamo a vida nua atinge sua máxima indeterminação. (Grifamos).

 

Diante do acima exposto, estamos diante do homo sacer a que tanto se refere Giorgio Agamben, como bem nos expõe Paulo César Busato7,

 

Aquele que é considerado tão impuro que fica fora da jurisdição humana, cuja morte não se traduz, sequer, em homicídio a quem o poder soberano aplica a vida nua, ou seja, as regras destituídas de qualquer limite ou direito.

 

Tudo isso tratado por Agamben é na visão de Jakobs o inimigo, mas o que seria o inimigo no direito penal? Mais recentemente, como indagou em palestra proferida no Ciclo de Palestras da Ordem dos Advogados do Brasil em Brasília/DF (OAB/DF), Zaffaroni, é possível, constitucionalmente, num estado democrático de direito, falar-se em inimigo?

 

II. O direito penal do inimigo e a política criminal sobre o tema

 

A cultura do medo, hoje, deve-se muito ao ocorrido na data de 11 de setembro de 2011, pode-se constatar na obra de John Vervaele8 que faz um perfeito “inventário” do ocorrido com relação a legislação antiterrorista do Estados Unidos, tendo com a chamada “guerra ao terror”, também, influenciando outros países.

Quanto ao direito penal do inimigo, deve-se a Jakobs a criação de tal nomenclatura, porém ela não teve, na sua criação, o significado que hoje se conhece, o termo é de 19859,

 

Este termo foi primeiramente utilizado, para descrever e criticar a legislação penal alemã que, a partir dos anos 80, assumia um caráter expansionista, visando a atender aos reclamos de uma política de risco.

 

Cornelius Prittwitz10, em palestra proferida no 9.º Seminário Internacional do ibccrim, em manuscrito, aduz:

 

Após uma palestra de Günther Jakobs na Conferência do Milênio em Berlim, este conceito levantou muita poeira não só na Alemanha, mas também nas regiões de língua portuguesa e espanhola. Em 1999, não era a primeira vez que Jakobs empregava o conceito. Em 1985, utilizou-o numa palestra de Frankfurt, que recebeu muito menos publicidade, no Seminário sobre Direito Penal. Mais primeiramente: o que deve entender sob o conceito ‘direito penal do inimigo’, e que posição adotar? ‘Direito penal do inimigo’ é um direito penal por meio do qual se confronta não os seus cidadãos, mas seus inimigos. Em que isto se faz visível? Primeiramente, tomando-se a lei concretamente – o código penal e a legislação processual penal, o que se vê é que, onde se trata da punição de inimigos, se pune antes e de forma mais rígida; do ponto de vista do direito material, a liberdade do cidadão de agir e (parcialmente) de pensar é restringida; ao mesmo tempo, subtraem-se direitos processuais ao inimigo.

 

E continua, mais adiante:

 

Porém aquilo que em 1985 recebeu aplauso dos colegas, ficando no entanto – por ser (demasiadamente crítico) – sem grande repercussão, em 1999 foi recebido pelos colegas com descrente espanto, em contrapartida sendo muito aplaudido por grupos que certamente não são do agrado de Jakobs. O que tinha mudado? Partindo da sua descrição crítica do estado de coisas, Jakobs tinha desenvolvido um modelo de direito penal parcial. Uma grande parte do direito penal alemão é, na opinião dele, direito penal do inimigo, coisa que Jakobs já tinha analisado em 1985. Porém, em 1999, ele diz: ela deve realmente ser direito penal do inimigo. Para se justificar esta guinada de 180 graus, Jakobs essencialmente diz que aquele que se comporta como inimigo (e Jakobs realmente emprega, mal se pode crer, a expressão “não-pessoa”) também merece ser tratado como inimigo – portanto não como pessoa. O grande número de inimigos de dentro e de fora – e Jakobs apresenta também cenários ameaçadores vindos com a globalização – não deixam ao Estado Democrático outra chance senão reagir com o direito penal do inimigo. É preciso dizer que é visivelmente a intenção de Günther Jakobs salvar a característica de Estado de Direito no direito penal do cidadão, dividindo o direito penal hoje em vigor num direito penal “do cidadão” e um “direito penal parcial do inimigo”.

 

Comungando do mesmo entendimento, Paulo César Busato11, em comparação com a obra de Agamben, doutrina:

A admissão de um modelo de Direito penal do inimigo, equivale à admissão, como regra jurídica, de uma postura de combate própria do Estado de exceção. Por isso, a proposta de Jakobs não pode arvorar-se às pretendidas conexões com a teoria contratualista, mas sim com as justificações de imposição de regras com base na soberania para além do direito defendidas por Carl Schmitt.

 

Falar, em direito penal do inimigo, pode levar a criação, claro que de forma crítica a teoria criada por Jakobs, de Roque de Brito Alves12, de um “direito penal amigo”, que aduz:

 

Ao contrário de tal teoria anti-democrática e inaceitável, entendemos que existe e podemos expor, em estrito aspecto técnico-jurídico, a nossa tese do “Direito Penal Amigo”, opondo-se a tal ‘Direito Penal do Inimigo’, tendo-se em vista a nossa legislação penal (Código Penal e legislação extravagante) e também a atual Constituição de 1988 – que têm claramente inúmeros textos que beneficiam ao autor de crime ou mesmo a alguém já condenado, o qual continua como cidadão embora seja um delinquente ou um apenado. Tais textos benéficos passam a ser “direitos”, pois estão na lei e constituem a estrutura ou conteúdo da nossa teoria do “Direito Penal Amigo” do criminoso ou do já condenado, em um evidente garantismo penal, fazendo esta nossa teoria que o Direito Penal não exista, não seja aplicado ou compreendido unicamente em termos de repressão. Também existe garantismo penal em vários textos de da nossa vigente Constituição.

 

Atentado para o alerta de Barata acerca da relação da sociologia jurídica com a ciência do direito, tendo em vista que o objeto da ciência do direito são as normas e as estruturas normativas, “enquanto a sociologia jurídica tem a ver com modos de ação e estruturas sociais”13, indagamos Jakobs, sobre sua teoria, e como se sustenta num Estado Democrático de Direito, este respondeu que ao invés de longas explicações remetia ao prefácio de sua já citada obra, e este respondeu:

 

Das Problem ist an einer Berührungsstelle von drei Systemen angesiedelt: Rechtssystem, wissenschaftliches System und politisches System. Die meisten Autoren halten das nicht sauber auseinander, während ich versuche, streng im wissenschaftlichen System zu argumentieren14.

Com tal resposta, concluímos o que já no ano de 2004 Claus Roxin, havia nos respondido, na qual respondia sobre o tema Direito Penal do Inimigo:

 

Von einem „Feindstrafrecht“ halte ich nichts. Es handelt sich hier um eine Idee dês Bonner Professors Jakobs, dês bestimmten, besonders gefärhrlichen Delinquenten (etwa Terroristen) als Feinde behaldeln und die bürgerlichen Freihetsrechte absprechen will, die dem Belschuldigten sonst zustehen. Wenigstens will er dem Staat das Recht zugestehen, ein solches Feindstrafrecht zu schaffen.

 

Das ist ein sehr bedenklicher Gedanke, der eine Tendenz zum Totalitarismus aufweist. Es ist ein fundamentals Prinzip des Rechtsstaats, dass alle Menschen vor dem Gesetz gleich sind. Ein Staat, der dieses Prinzip aufgibt, ist kein Rechtsstaat mehr.

 

Eine nähere Auseinandersetzung mit der Lehre von Jakobs ist aber deshalb nicht möglich, weil dieser sich bisher nicht näher dazu geäussert hat, weche Möglichkeiten der Rechtseinschränkung er dem Staat gegenüber „Feinden“ einräumen will15.

Com relação à doutrina de Zaffaroni16, mais recentemente, indagou em palestra proferida no Ciclo de Palestras da Ordem dos Advogados do Brasil em Brasília/DF (OAB/DF), se, É possível, constitucionalmente, num estado democrático de direito, falar-se em inimigo?

 

Lançou a pergunta para em seguida opinar que fora da hipótese bélica, do direito de guerra, não há razão para o Estado de Direito falar em inimigo. Segundo defendeu, as teorias criminológicas vigentes têm raízes na Idade Média, com o conceito de inimigo que remete às bruxas e aos hereges. Perante esse inimigo o poder punitivo não tem de conhecer limites, conforme o entendimento da época. É o direito penal que vivemos até hoje, que foi se repetindo ao longo da história com sucessivos inimigos, como Estados totalitários, comunismo ou drogas.

 

Informou ainda que, atualmente, 70% dos presos nas cadeias da América Latina não estão condenados, mas em prisão preventiva. São os presos por via das dúvidas. É o direito processual gerando o direito penal do inimigo.

 

Concluiu declarando que para a fortificação do Estado de Direito, a arma ideológica que temos não pode admitir a ideia de um inimigo. Essa ideia é própria do Estado de Polícia, e nossa função jurídica é conter esforços cujo intento seja a quebra da contenção do Estado de Direito.

 

De fato, a legislação brasileira em matéria penal e processual penal refletiu nos anos de 1990, uma política criminal de recrudescimento, exemplos claros são as Leis n.º 8072/90 (Lei dos Crimes Hediondos) e Lei n.º 9034/95 (Lei da Criminalidade Organizada), ou seja, o Direito Penal servindo de panacéia para problemas sociais seriíssimos, pois mais fácil alterar-se um artigo de lei, que informar bem e educar a sociedade, daí a profusão de leis penais simbólicas17.

É este Direito Penal simbólico que observa com sagacidade Gabriel Ignácio Anitua18:

 

As políticas penais que os diversos governos da atualidade implementam têm uma função simbólica declarada de impor os valores morais tradicionais. Para isso, é utilizada a ferramenta tradicional de reprimir e, ao mesmo tempo, construir subjetividades.

 

É neste sentido que aduz Marco Antônio Nahum19 “Há muito vivemos um vendaval repressivo, fruto de emoções e demagogias irresponsáveis”, fomentado pelo discurso repressivo das instâncias de controle, gerando uma política criminal do terror.

São na verdade políticas criminais de intolerância, revestidas de cientificidade, apresentando-se como um Direito Penal do Inimigo ou um Direito Penal de velocidades, duas ou três.

 

III. Considerações finais

 

Diante do exposto acima, a obra de Giorgio Agamben, traz um real contraponto ao direito penal do inimigo proposto por Jakobs, este, como se viu tenta através de uma teoria, apesar de afirmar que não, em sua obra, ir de encontro ao Estado Democrático de Direito, pois negar àquele as garantias que qualquer cidadão possui, regride ao que inevitavelmente o fez a Escola de Kiel, num período nazifascista, e o mundo atual não pode e não deve ser seduzido pelo “canto da sereia” como no início deste novo milênio fizeram e fazem os Estados Unidos.

É o que doutrina Gabriel Ignácio Anitua20, sobre a obra de Agamben:

 

Em seu livro exemplar, Homo sacer, Giorgio Agamben faz referências às novas “não-pessoas” claramente visíveis que na “velha” e auto-indulgente Europa, quer nos evidentemente imperialistas Estados Unidos. É o lugar dos refugiados, dos imigrantes clandestinos ou sem papéis.

 

Não é demais lembrar o que com propriedade doutrina Prittwitz21 com invulgar clareza:

O dano que Jakobs causou com suas reflexões e seu conceito de direito penal do inimigo é visível. Regimes autoritários adotarão entusiasmados a legitimação filosoficamente altissonante do direito penal e processual contrário ao Estado de Direito. Mas também na discussão na Alemanha ele pode ser responsabilizado por quebrar o tabu de destruir desnecessariamente os limites pelo menos em tese indiscutíveis entre direito penal e guerra. Vêm à mente paralelos com a discussão havida no ano passado – e que os juristas alemães consideravam quase impossível – sobre a possibilidade de eventualmente empregar até mesmo a tortura em determinados casos excepcionais.

 

Assim o fizeram os Estados Unidos, na sua “guerra ao terror”.

Por fim, sabido e ressabido que num Estado Democrático de Direito, como adverte Luigi Ferrajoli22, “En efecto, La razón jurídica Del Estado de derecho no conoce enemigos y amigos, sino solo culpables e inocentes”.

E continua o autor:

 

La estratégia militar de los Estados Unidos em La lucha contra el terror se há revelado trágicamente fallida. Dos guerras contra tantos Estados, cuando las organizaciones terroristas consisten em variadas redes clandestinas compuestas de indivíduos sin rostro, han tenido el único efecto de secundar al terrorismo, degradar nuestras democracias, acrescentar La inseguridad y reducir las libertades civiles.

 

O que não se pode permitir é o que adverte Elton Dias Xavier23:

 

Nesse contexto, volta a lume a teoria do Estado de Exceção, a qual desponte, para alguns, como alternativa à integração do ordenamento democrático, capaz de possibilitar a adoção de certos mecanismos de defesa para prevenir e combater as agressões às democracias, ao próprio Estado e aos direitos por elas eleitos. Tal paradigma mostra historicamente uma tendência em transformar em prática duradoura de governo a ampliação dos poderes governamentais.

 

Negar ao terrorista, no caso do artigo, mesmo a Osama Bin Laden, a noção de pessoa, sem um processo penal com as garantias constitucionalmente garantidas, além de grave é uma contradição em si, Ricardo Rabinovich24, em artigo sobre pessoa, doutrina:

 

La idea de “persona” surgió en Roma ante la ausencia de un término que realmente definiera, en la ciencia jurídica y en el habla corriente, al miembro de nuestra especie. Se construyó como expresión técnica inclusiva, a través de la cual se reconocía un status especial, diferente al de las rei y al de los demás animales (los cetera animalia de Ulpiano en Digesto 1.1.1.3), a todos los homines, fueran romanos o extranjeros, hombres o mujeres, libres o siervos, nacidos o aún in utero. Todo ius (en el sentido de potestad exigible mediante una acción o defendible por medio de una excepción) lo era de una persona y sólo las personas tenían iura, porque “es por causa de los homines que se constituyó todo el ius”.

Contudo, não se pode relegar o que coloca Robert Philippe sobre a questão criminal e as tendências criminalizantes oriundas do seio social, dizendo que: “... o peso das modas e dos lugares comuns faz-se sentir sobre tudo no que diz respeito ao crime”25. Dito isto, pergunta-se: será que os Estados Unidos retornarão a assim proceder, como nos ensinaram num passado não tão remoto, a respeitar e garantir os direitos humanos? Sabemos que atualmente, são os Estados Unidos os maiores violadores destes direitos, humanos, tão caros conseguidos com o sacrifício de muitos.

Será que voltarão a respeitá-los?

Só o tempo irá dizer.

 

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* Abogado de la Universidade Católica de Pernambuco, Especialista en Docencia en Educación Superior, Facultad Mauricio de Nassau / Recife - PE, Miembro titular de la Junta Penitenciaria del Estado de Pernambuco, miembro de los Comités de la Asociación de Abogados de Brasil, Sección Pernambuco, estudiante regular de Cursos de Doctorado en Derecho de la Universidad de Buenos Aires contacto: Rua Irmã Maria David, 85, Casa Forte, 52061-070 - Recife, PE - Brasil.

Nuevos Paradigmas de las Ciencias Sociales Latinoamericanas issn 2346-0377

vol. III, n.º 6, julio-diciembre 2012, Fernando A. C. Alves de S. pp. 149 a 162

1 Cláudio Souto e Solange Souto. Sociologia do Direito; uma visão substantiva, Porto Alegre, Sérgio Antonio Fabris, 1997, p. 17.

2 Kai Ambos. “Os terroristas também têm direitos: Bin Laden não devia ter sido executado – nem mesmo em um conflito armado”, Pablo Rodrigo Alflen (trad.), com revisão do autor. Artigo publicado originariamente em Frankfurter Allgemeine Zeitung, 5.5.2011, p. 6, Boletim ibccrim, ano 19, n.º 223, jun. 2011, p. 2.

3 Karl Binding e Alfred Hoche. La licencia para la aniquilación de la vida sin valor de vida, Introducción de Eugenio Raúl Zaffaroni, Bautista Serigós (trad.), Colección “El penalismo olvidado”, Buenos Aires, Ediar, 2009, p. 7.

4 Ibid., p. 47.

5 Giorgio Agamben. Estado de Exceção, Iraci D. Poleti (trad.), 2.ª ed., São Paulo, Boitempo, 2004, p. 14.

6 Ibid., pp. 38; 14 e 15.

7 Paulo César Busato. Thomas Hobbes penalista, Coleção por que ler os clássicos, v. 2, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2010, p. 119. Quanto à Agamben temos sua obra Homo Sacer: o poder soberano e a vida nua I, Henrique Burigo (trad.), 2.ª ed., Belo Horizonte, Editora ufmg, 2010. “A vida insacrificável e, todavia, matável, é a vida sacra”, p. 84. “Soberana é a esfera na qual se pode matar sem cometer homicídio e sem celebrar um sacrifício, e sacra, isto é, matável e insacrificável, é a vida que foi capturada nesta esfera”, p. 85.

8 John A. E. Vervaele. La legislación antiterrorista em Estados Unidos: ¿Inter arma silent leges?, Buenos Aires, Del Puerto, 2007.

9 Tatiana Viggiani Bicudo. Por que punir? Teoria geral da pena, São Paulo, Saraiva, 2010. p. 166.

10 Cornelius Prittwitz.O direito penal entre direito penal do risco e direito penal do inimigo: tendências atuais em direito penal e política criminal”, Helga Sabotta de Arújo e Carina Quito (trads.), Artigo n.º 37, Direito Penal, v. 2, Alberto Silva Franco e Guilherme de Souza Nucci (orgs.), São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2010, pp. 915 a 927. Há, ainda, publicação na Revista Brasileira de Ciências Criminaisrbccrim– n.º 47, mar. abr./2004; Para se aprofundar ler, Günther Jakobs. Direito penal do inimigo, Luiz Moreira e Eugênio Pacelli de Oliveira (intro. e orgs.), Gercélia Batista de Oliveira Mendes (trad. orig. alemão), Rio de Janeiro, Editora Lumen Juris, 2008; Criticando tal teoria, por todos, ler Eugenio Raúl Zaffaroni. O inimigo no direito penal, Sérgio Lamarão (trad.), Rio de Janeiro, Revan, 2007.

11 Busato. Thomas Hobbes penalista, cit., p. 121. Traz, ainda, o referido autor, na mesma página, “Não é à-toa que a proposta de um Direito penal do inimigo encontra-se perfeitamente ajustada à política criminal estadounidense do Século xx, que pode ser sintetizada nos Patriot Acts, que condensam a postura de subversão da ordem instituída, justificada pela necessidade de combater um inimigo. A situação de estabelecimento do Estado de exceção como regra pode ser vista na ordem militar promulgada pelo presidente dos Estados Unidos em 13 de novembro de 2001, confirmada pelo USA Patriot Act de 26 de outubro de 2001, autorizando coisas como o infinite dentention para não cidadãos acusados de terrorismo. Outrossim, esta situação concreta, se é que pode encontrar coincidências com um modelo de Direito penal do inimigo, tem suas raízes não em um modelo contratual, de pacto, mas sim em uma imposição de um Estado de exceção. Ademais, quando identificada a realidade a um modelo teórico, este último, por muito que pretenda ser explicativo ou descritivo, sempre comporá uma espécie de legitimação daquele”.

12 Roque De Brito Alves.O ‘direito penal amigo’”, Opinião, Diario de Pernambuco, A11, Recife, 13.05.2009.

13 Alessandro Baratta. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal: Introdução à Sociologia do Direito Penal, 3.ª ed., Rio de Janeiro, Revan, 2002 (Coleção Pensamento Criminológico, n. 1). p. 22.

14 Em tradução livre, temos: “O problema está localizado na interface (ponto de contato) entre três sistemas: sistema jurídico, sistema científico e sistema político. A maioria dos autores não separa bem enquanto eu tento argumentar rigidamente dentro do sistema científico”.

15 Em tradução livre, temos: “Eu não concordo com nada disso. Isso é uma idéia do Professor de Bonn Jakobs que quer tirar os direitos civis do delinqüente como terrorista tratando como inimigos os que como acusados teriam direito. Pelo menos quer conceber ao Estado o direito de criar tal direito penal do inimigo, é um pensamento que suscita cuidado, pois demonstra uma tendência, para o totalitarismo. É um princípio fundamental do Estado de Direito que todos os homens são iguais perante a lei. Um Estado que abre mão desse princípio não é mais um Estado de Direito”.

16 Disponível em [www.jusbrasil.com.br/noticias/2734649/eugenio-raul-zaffaroni-e-condecorado-na-oab-df], acessado em 11.06.2011.

17 Paulo César Busato.O outro como inimigo: um discurso punitivo de exclusão”, em Francisco Muñoz Conde. Crítica ao direito penal do inimigo, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2011. Doutrina que: “No entanto, erra quem pensa que só agora estamos diante de uma situação de emergência, ignorando toda a espiral de violência fomentada pelo próprio discurso repressivo das instâncias de controle que desde há muito vêm utilizando o Direito penal como resposta à demanda por segurança”.

18 Gabriel Ignacio Anitua. Histórias dos pensamentos criminológicos, Sérgio Lamarão (trad.), Rio de Janeiro, Revan, Instituto Carioca de Criminologia, 2008, p. 802.

19 Marco Antônio Rodrigues Nahum. “A repressão ao crime, e o antiterrorismo”, in: Boletim do ibccrim, n.º 128, São Paulo, Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, junho de 2003.

20 Anitua. Histórias dos pensamentos criminológicos, cit., p. 838.

21 Prittwitz.O direito penal entre direito penal do risco e direito penal do inimigo...”, cit., pp. 915 a 927.

22 Luigi Ferrajoli. “Democracia e garantismo”, Prólogo Miguel Carbonell. In: El “derecho penal del enemigo” y La disolución del derecho penal, Perfecto Andrés Ibáñez (trad.), 2.ª ed., Madrid, Editorial Trotta, 2010, pp. 234 a 250. Há, ainda, referência sobre o texto do Constitucionalista português José Joaquim Gomes Canotilho. Estudos sobre direitos fundamentais, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais; Portugal, Coimbra Editora, 2008, p. 240, “O Estado de direito não conhece amigos nem inimigos, mas só inocentes e culpados”.

23 Elton Dias Xavier. “Biopoder, Biopolítica e o paradigma do Estado de Exceção”, in: Pablo E. Slavin (org.). IX Jornadas Nacionales de Filosofia y Ciencias Políticas, v. 1, Mar del Plata, Universidad Nacional de Mar del Plata, 2009, pp. 111 a 145.

24 Ricardo Rabinovich-Berkman. El concepto de persona, ¿Ha devenido innecesario? (¿o acaso inconveniente?), [s. l.], [s. ed.], [s. an.].

25 Philippe Robert. Sociologia do Crime, Luis Alberto Salon Peretti (trad.), Petrópolis, Vozes, 2007, p. 9.