La rehabilitación del condenado en Brasil: Un estudio de las causas y soluciones en el escenario actual

João Fernandes de Lima Neto*

 

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The rehabilitation of the convicted in Brazil:

A study of the causes and solutions in the current scenario

 

Resumen

 

El propósito de este trabajo es estudiar las condiciones del sistema penitenciario brasileño y la rehabilitación del condenado a través de un enfoque bibliográfico y documental, con el fin de obtener el escenario real del tema propuesto. Además del estudio de las posibles causas para el abandono del sistema penitenciario brasileño, el estudio trata de encontrar posibles soluciones, incluyendo el éxito en su implementación, que pueden constituir referencias a diversos programas de rehabilitación en Brasil y en todo el mundo.

 

Palabras clave: Derecho penal; Resocialización, Sistema penitenciario, Cárceles en Brasil; Políticas públicas carcelarias.

 

Abstract

 

The purpose of this paper is to study the conditions of the Brazilian prison system and rehabilitation of convicted through a bibliographic and documentary approach, in order to obtain the real scenario of the proposed topic. Besides the study of the possible causes for the abandonment of the Brazilian prison system, the study tries to find possible solutions, including the successful implementation, which may constitute references to various rehabilitation programs in Brazil and around the world.

 

Keywords: Criminal law; Resocialization, prison system, prisons in Brazil, prison public policies.

 

Fecha de presentación: 12 de febrero de 2013. Revisión: 22 de mayo de 2013. Fecha de aceptación: 11 de junio de 2013.

 

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Introdução

 

O presente trabalho tem por objeto estudar as condições do Sistema Penitenciário brasileiro.

Através de uma abordagem em que se procurou analisar artigos, documentos, dissertações e obras bibliográficas, buscou-se não somente obter dados sobre a problemática encontrada atualmente, mas, sobretudo, soluções para o cenário atual.

Neste sentido, o trabalho, no título I, é iniciado analisando-se o perfil do preso brasileiro e as teorias em que se procura explicar a criminalidade segundo as suas origens.

No título II é tratada a Função Social da Lei, ou seja, é apresentada uma função especial em que a legislação vigente pode assumir que é a de não somente reprimir, mas, sobretudo, possibilitar ao indivíduo ressocializar-se e buscar uma real solução não só para o seu problemas mas da sociedade.

No título III, como um desdobramento do título II, faz-se uma análise do Direito Penal e sua função social. Neste sentido a análise ganha um caráter mais macro, atingindo não somente a legislação, mas as políticas públicas envolvendo uma interdisciplinaridade de ciências e conhecimentos com o fim de buscar soluções de caráter social.

Já no título IV é apresentada a Associação de Proteção e Assistência aos Condenados – apac, uma sociedade sem fins lucrativos implantada em uma cidade no interior do Estado de São Paulo e que tem obtido bons resultados na ressocialização de apenados, através de métodos comprovadamente eficazes e científicos.

A temática do Trabalho como fator de ressocialização do apenado é tratada no título V e no título VI é analisada a questão da Parceria, Terceirização ou Privatização do Sistema Penitenciário brasileiro.

 

I. O perfil do preso brasileiro

 

Os presos, no Brasil, como na maioria dos países, é oriundo das camadas sociais menos abastadas, já marginalizados socialmente, sem acesso à educação e à formação profissional.

Levando-se em consideração de que já estão numa difícil situação e, se não encontrarem, na prisão, uma oportunidade de se ressocializarem, dificilmente terão uma segunda chance.

Quanto à penalidade, tem-se três opções a serem aplicadas, segundo os especialistas:

– Função retributiva ao dano causado;

– Aplicação de uma sistemática intimidativa; e

– Deve ter um caráter educativo

Das três opções, a última, ou seja, a de caráter educativo, é que tem sido considerada a mais eficiente, tendo em vista que o criminoso tem uma atenção sensível por parte do Estado, em que o mesmo é respeitado em sua integridade e é lhe dada uma chance de recomeço junto à sociedade.

Para Baratta1, a pena reeducativa pode ser dividida em duas fases:

– A desculturalização do indivíduo para conviver junto aos seus semelhantes, em sociedade, uma vez que, dentro da prisão ele tem a sua auto-estima, sua vontade e o senso de responsabilidade reduzidos e ele se vê longe dos valores da sociedade.

– A segunda fase constitui-se na aculturação, onde o preso é obrigado a aprender as regras de convivência dentro da instituição, seguindo o caminho ditado pelos que dominam o meio carcerário, tornando-se, assim, um criminoso sem recuperação, ou lutar contra tudo isso e assumir um papel de “bom preso”, tendo um bom comportamento e se conformando com a sua realidade.

A realidade, no entanto, é que boa parte da população carcerária brasileira encontra-se em cubículos cuja capacidade está bem abaixo do quantitativo de pessoas aprisionadas no local.

Diante deste cenário, a ressocialização do preso, que deveria ser o maior objetivo do Sistema Prisional Brasileiro, transforma-se em revolta, com graves e possíveis conseqüências para a sociedade.

Os penalistas defendem que, para se atuar de forma preventiva quanto à disseminação de práticas criminosas de graves conseqüências para a sociedade, faz-se necessário separarem-se os presos por delito.

Contudo, nem sempre o castigo é a melhor das penas. Para os defensores da nova prática de correição prisional, deve-se disponibilizar novas oportunidades para o aprisionado de forma ao mesmo desenvolver novas habilidades de convívio social e profissional que serão imprescindíveis quando de seu retorno à liberdade.

Vários filósofos e economistas escreveram, através dos tempos, sobre a condição social para a justificativa no cometimento dos crimes.

Para a Teoria Marxista,

 

La cuestión económica aparece, entonces, como un elemento de importancia privilegiada, capaz de influir de modo determinante sobre uma larga serie de componentes y aspectos de la sociedad, entre ellos la generación de criminalidad2.

 

Kautzman Torres ainda complementa que

 

Como fenómeno social, el delito es el resultado –a nivel individual- de las profundas desigualdades que le son ingerentes a las sociedades clasistas3.

 

Contudo, os estudos têm confirmado que o que ocasiona maior nível de criminalidade não é a pobreza, mas a convivência entre setores muito desiguais ou excesso de desemprego.

Neste sentido, apresenta Fajnzylber

 

El punto escriba em que la desigualdad supone a la pobreza, pero Le agrega uma insatisfacción e inconformidad motivadas en el contraste que emerge al ser confrontada con una riqueza desmedida. Al elemento objetivo de la pobreza se agrega uno subjetivo, que sugiere ausencia de justicia. La injusticia se explica en la desigualdad. Otro estudio confirmó la ausencia de relación entre pobreza y violencia, pues la última aparecía con más frecuencia en municipios y regiones con níveles altos de prosperidad, pero en cambio encontró una correlación elevada entre prácticas violentas y desigualdad; dentre de una investigación más extensa que comprometió un gran número de países durante largos períodos, la cual comprendió homicidios y hurtos con violencia, utilizando el índice de Gini, se encuentraron evidencias consistentes de una importante correlación entre criminalidade y desigualdad. De modo similar, un grupo de estudios demostraron que las tasas de desempleo son relevantes, al igual que los níveles y las desigualdades en los salarios4.

 

II. A Função Social da Lei

 

Uma vez que, na prática, o criminoso é excluído do convívio social e a ele é negado uma série de direitos disponibilizados ao cidadão comum, cria, no aprisionado, uma situação de revolta que deixa marcas e que são difíceis de apagar.

Toda a norma jurídica é composta de preceito e sanção. Um vinculado ao outro.

No Direito Penal, o preceito tem por objeto um comando geral e abstrato mas, a sanção penal, igualmente imposta a todos os indivíduos (erga omnes), traz nela uma supremacia estatal sobre todos os indivíduos com vistas a garantir a harmonia e a convivência social.

O objetivo da penalidade sobre o indivíduo deve ser o de possibilitar ao mesmo ficar num estado de harmonia, tranqüilidade e pacificação social por meio da sanção penal durante e ao fim do processo de penalização.

Nesta perspectiva, dentro das correntes de finalidade da pena, são os ecléticos que chegam mais perto do que seria a aplicação da pena segundo um cunho social.

Segundo eles, que conciliam as demais correntes, enxergam que a pena deva ter um caráter retributivo mas também de ressocialização e de reeducação do delinqüente. Tal assertiva se encaixa na máxima alemã de “prevenção geral mediante retribuição justa”.

Para os ecléticos, a pena, deve se mostrar eficaz, cumprindo a função de pacificação social, adaptada às circunstâncias de modo, tempo e lugar e aos avanços e dificuldades da sociedade.

Contudo, diante da crise do sistema penal brasileiro, tendo em vista a quantidade de rebeliões, reincidência criminal, aumento da criminalidade, marginalização do condenado, dentre outros, faz-se necessário enxergar que a retribuição como pena de crimes não deve obrigatoriamente passar pela restrição de liberdade.

Neste cenário, Eugênio Zaffaroni destaca os dois extremos na configuração do sistema penal que encontra-se, já de antemão, desconfigurado com a lei penal vigente.

De um lado, há o sistema penal em que a configuração real está vinculada à estrutura social de poder e que, para mudá-la, faz-se, diante de uma visão utópica, aniquilar-se a estrutura de poder vigente e substituí-la por um alicerce não marginalizado.

Por outro lado, estão aqueles que reconhecem no sistema penal seu caráter preventivo advogando, portanto, uma postura de terror, eliminação e segregação definitiva e afirmando que tais medidas são de caráter de “segurança nacional”.

Zaffaroni propõe uma terceira vertente, em que sejam questionados os métodos do Direito Penal em relação à realidade e, ao mesmo tempo, como operar o mesmo em conformidade com os Direitos Humanos5.

 

Funções do Direito Penal

 

A função primordial do Direito Penal é a tutela de bens jurídicos.

Neste sentido, Prado6 nos apresenta que a noção de bem jurídico implica a realização de um juízo positivo de valor acerca de determinado objeto ou situação social e de sua relevância para o desenvolvimento do ser humano.

Segundo Roxin7

Bens jurídicos são circunstâncias dadas ou finalidades que são úteis para o indivíduo e seu livre desenvolvimento no marco de um sistema social global estruturado sobre a base dessa concepção dos fins ou para o funcionamento do próprio sistema.

 

Deve-se lembrar também que o Direito Penal, em seu início, eram criminalizadas as condutas que atentavam contra os bens jurídicos tradicionais, a saber: a vida, propriedade e liberdade, todos direitos individuais por excelência. Evoluindo na história, passou-se a tutelar outras dimensões ou gerações de direitos fundamentais, sociais (trabalho, saúde, previdência social) e difusos (paz, segurança social, meio ambiente, sistema financeiro nacional), sendo também reconhecidos como merecedores da intervenção penal8.

Ainda, para Roxin9, o único fator limitador inicial para o legislador no que tange à criação de leis e suas respectivas penas deve ser a própria Constituição. Segundo ele, tal assertiva serve não somente para criação, mas também de interpretação de cada preceito concreto, estando aberta a mudanças sociais e aos progressos do conhecimento científico.

Terradillos Basoco10 nos apresenta que

 

Ao lado da função de tutela de bens jurídicos, o Direito Penal, em razão de sua expansão, igualmente assume uma (dis)função simbólica. A intervenção penal atua, então, como mero símbolo, não para proteger os bens jurídicos, mas para afirmar valores, confirmar expectativas, gerar representações valorativas, confirmar valores, ordens deontológicas e éticas, programas políticos, modelos econômicos, relegando à função instrumental ou material uma posição subordinada.

 

Assim, segundo Silva Sánchez11, o uso excessivo da força extrema banaliza o Direito Penal, ao invés de conferir-lhe credibilidade. Quando a sociedade verifica que o Direito Penal assume, de fato, sua posição como ultima ratio, deveria haver uma expansão dos mecanismos de proteção não-jurídicos, ou jurídicos, mas não necessariamente jurídico-penais (ética social, Direito Civil e Direito Administrativo).

O autor sinaliza, ainda, tais mecanismos atribuídos ao Direito Penal é desalentador, tendo em vista que a visão do Direito Penal como único instrumento eficaz de pedagogia político-social, como mecanismo de socialização, de civilização, supõe uma expansão ad absurdum da outrora ultima ratio.

Como bem coloca Silva Sánchez, tal expansão é em boa parte inútil, na medida em que transfere ao Direito Penal um fardo que ele não pode carregar.

 

III. Função Social do Direito Penal

 

De maneira utópica, a função maior do Direito Penal é a de eliminar do convívio social a criminalidade. Sendo assim, havendo a extinção da criminalidade, não haveria porque continuar existindo o Direito Penal.

Segundo uma assertiva do ponto de vista penal, a aplicação das penalidades provenientes do Direito Penal, concederia ao cidadão um melhor convívio social

Contudo, a precaução está cada vez mais presente nas leis e no Código Penal. Com o objetivo de resguardar o objetivo maior das políticas públicas, a política criminal, através de uma tipificação clara e objetiva, visa a enquadrar aqueles que se desviarem dos interesses sociais em suas atribuições e atividades.

Desta forma, pode-se exemplificar o art. 296 do Código Penal, recentemente implantado, que diz:

 

Falsificação do selo ou sinal público

 

Art. 296 – Falsificar, fabricando-os ou alterando-os:

 

I – selo público destinado a autenticar atos oficiais da União, de Estado ou de Município;

 

II – selo ou sinal atribuído por lei a entidade de direito público, ou a autoridade, ou sinal público de tabelião;

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.

 

[...]

 

§ 1.° Se o agente é funcionário público, e comete o crime prevalecendo-se do cargo, aumenta-se a pena de sexta parte.

 

Assim, a lei, em nome da boa condução das políticas públicas, tem mecanismos de penalizar aqueles que agem de forma lesiva na atividade estatal.

Outra lei, a nº 10.836/2004, que tem por objeto a instituição do Programa Bolsa Família, traz em seu bojo, no art. 14, que “a autoridade responsável pela organização e manutenção do cadastro dos beneficiários do programa que inserir ou fizer inserir dados ou informações falsas ou diversas das que deveriam ser inscritas, com o fim de alterar a verdade sobre o fato, ou contribuir para a entrega do benefício à pessoa diversa do beneficiário final, será responsabilizada civil, penal e administrativamente”.

Um outro importante fator de contribuição social a partir do Direito Penal é o combate à corrupção. Através de leis, como por exemplo, de combate à improbidade administrativa que é a 8.429/92, há um controle do Estado em relação aos gestores públicos que se utilizam de seus cargos para auferirem vantagens que têm repercussões por deveras danosas para todas a sociedade.

Contudo, deve-se ter em mente que, para a aplicação de Políticas Criminais eficazes, que são de caráter de remediação, deve-se balancear tais medidas com as Políticas Públicas que são preventivas.

Segundo Daniel Addor Silva12

 

Deve-se, porém, ter como preocupação que o foco não seja desviado da política pública para a criminalidade e, consequentemente, não sejam mais investidos os recursos destinados ao atendimento dos interesses da sociedade, tendo em vista o alto preço das medidas de natureza criminal.

 

É necessário, porém, que se busque o equilíbrio no uso da política criminal como meio de assegurar a implementação de outras políticas públicas. Como restou salientado anteriormente, o uso excessivo do Direito Penal pode banalizá-lo, tornando inócua a tentativa de utilizá-lo para assegurar fins do Estado.

 

Por meio desse balanceamento, ou seja, o uso adequado do Direito Penal, é que se pode atingir a sua chamada “função social”, alcançando não somente seus objetivos propostos, mas também os objetivos estabelecidos por políticas públicas.

 

Desta forma, a parceria que pode ser estabelecida entre o Direito Penal e as Políticas Públicas é latente, fazendo com que a política criminal possa nortear a atenção às Políticas Públicas e garantir a sua execução pelo Estado, evitando o desvio de recursos e coibindo, de qualquer forma, o desvio de suas finalidades.

 

IV. Apac

 

A Associação de proteção e assistência aos condenados, a apac, veio a preencher a lacuna na recuperação judicial do apenado, em vistas do alto grau de reincidência observado nas estatísticas do sistema prisional brasileiro.

Em 1972, através de estudos e experiências com os condenados, um grupo de pessoas voluntárias lideradas por Mário Ottoboni, em São José dos Campos, instituiu um método revolucionário e eficiente no modo de execução de pena e hoje é uma referência no Brasil e em outros países do mundo.

O Método apac apresenta, ao condenado, as condições para se recuperar e ressocializar-se, tornando aquilo que parecia ser impossível de ser alcançado em realidade.

 

A. Teorias das Penas de Prisão

 

Existem, basicamente três teorias das penas de prisão, são elas:

 

1. Teoria dos Absolutistas

 

A Teoria dos Absolutistas pregava a punição do delinqüente proporcionalmente ao crime cometido. A finalidade maior da pena era o castigo, não havia preocupação com a pessoa do criminoso.

2. Relativas ou Utilitárias

 

Nesta teoria, ao contrário da Teoria dos Absolutistas, a pena não deve ser considerada apenas como um castigo, mas, acima de tudo, a prevenção para os crimes que possam atingir a sociedade. Tal teoria defendia a socialização do apenado.

 

3. Mistas

 

Esta teoria mescla elementos da Teoria dos Absolutistas com as Teorias Relativas ou Utilitárias.

Neste aspecto, atribui como uma primeira finalidade, a de natureza retributiva, pelo seu aspecto moral, mas seu objetivo não se limita apenas à prevenção, pois recomenda, ao mesmo tempo, a punição, segregando o infrator setenciado.

A segunda finalidade desta teoria é a de emendar, socializando, enxergando o apenado seu potencial humano.

Enfim, esta teoria defende que, além do efeito intimidativo, por meio dos castigos impostos ao criminoso, de sua segregação do meio social e da família, traz em sua essência, a preocupação que o Estado deve ter em dispensar ao preso a atenção especial para ajudá-lo a refletir sobre o delito cometido e dar-lhe condições que possam torná-lo útil.

Para a Lei 7.210/84, ou Lei de Execução Penal, a pena ao apenado deve ter características punitiva e recuperativa.

Declara o artigo 1° da referida lei:

 

Art. 1°. A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condição para a harmônica integração social do condenado e do internado.

 

B. Problemas do Sistema Prisional Brasileiro

 

O Sistema Prisional Brasileiro apresenta uma série de problemas estruturais e de processo. Vários problemas podem ser elencados de uma maneira geral: alimentação deteriorada; precária assistência médica, judiciária, social, educacional e profissional; violência incontida permeando as relações entre os presos, entre estes e as agentes penitenciários; rebeliões, fugas, seqüestros ocorrentes quase diariamente na maioria das prisões.

Com tais ocorrências, é perceptível que o criminoso se aperfeiçoará cada vez mais no universo do crime ao invés de se ressocializar para iniciar uma nova vida.

Dentre todos os problemas verificados o maior deles, provavelmente, é o da superlotação. A superlotação disponibiliza um maior grau de promiscuidade que promove toda a sorte de contaminação, tanto patológica como criminógena.

Num único recinto, ficam aprisionados presos primários e reincidentes, detidos para averiguações ou em flagrante e cidadãos já sentenciados pela justiça criminal.

Devido à má conservação do ambiente, a saúde dos detentos se torna frágil. É comum presos serem contaminados por doenças proveniente de outro, tal como tuberculose e aids. Devido ao sistema de rodízio, a fim de que todos os reclusos possam dormir, em vistas que não há lugar disponível para que todos possam repousar ao mesmo tempo, o que obriga a que muitos se submetam a condições precárias de repouso, levando, muitas vezes, a que presos durmam no chão de cimento e em contato direto com insetos e roedores, aumentando ainda mais o grau de risco à saúde dos detentos.

As instalações sanitárias dos presídios e das delegacias também só agravam o problema. Problemas como a ausência de água corrente para banhos e para o asseio pessoal. Iluminação precária, a má ventilação, a circulação de odores fétidos, a concentração de águas insalubres originárias da mistura de poças de chuvas ou de encanamentos desgastados com lixo e o acúmulo de gases com sangue por cima do mobiliário ou no piso da sela, agravam as condições de vida dos presos.

A alimentação disponibilizada está longe de ser conveniente. Alimentos deteriorados ocasionam problemas gastrointestinais. Não se utilizam talheres durante a alimentação, tendo em vista que poderão ser utilizados como armas. Os detentos, então, são obrigados a se alimentarem com tampas de marmitas ou com as próprias mãos.

Já o vestuário varia. Os familiares disponibilizam as roupas aos detentos. Desta forma, vê-se detentos com roupas razoáveis enquanto outros com roupas rasgadas ou insuficientes.

Como bem observa Guimarães Júnior13

 

Em suma, os presos vivem em condições subumanas, o que propicia a violência. Tudo é passível de querela: confrontos entre quadrilhas; suspeitas de delação; envolvimento no tráfico de drogas, na exploração de atividades internas, no tráfico de influências sobre os poderosos, sejam aqueles procedentes da massa carcerária ou da equipe dirigente; posse de objetos pessoais; obtenção de favores sexuais, o que compromete não apenas os presos, sobretudo os mais jovens e primários, muitas vezes comercializando no interior da população, mas também suas esposas, suas companheiras e filhas; manutenção de privilégios conquistados ou cedidos; disputas de postos de trabalho.

 

Ainda acrescenta Guimarães Júnior14

 

Os carcereiros, policiais, diretores, na maioria das vezes, agem com abuso e violência, chegando até a praticar extorsão. A esse panorama que torna a vida nos presídios incerta e insegura, convém acrescentar a precária oferta de serviços de formação educacional e profissional. E a da prestação de serviços de assistência judiciária e social como, por exemplo, o não atendimento de direitos consagrados na legislação pertinente; a ausência de regular informação sobre o andamento de processos ou explicações consistentes a propósito do indeferimento de um recurso ou pedido de benefício penal.

 

Outro problema a ser destacado é a discriminação pela sociedade ao apenado, tendo em vista que à mesma não importa os motivos que levaram aquele indivíduo estar recluso naquele local, mas sim a estigmatização da pessoa que lá se encontra.

Tal cenário, como demonstrado, alimenta um processo de estímulo à criminalidade e reincidência que tem sido objeto de estudos tanto no Brasil como no exterior.

 

C. O Método apac

 

A apac, Associação de Proteção e Assistência aos Condenados, foi instituída em 1972. Um grupo de quinze pessoas, liderado pelo Advogado Mário Ottoboni, preocupados com o grave problema das prisões na cidade de São José dos Campos – SP, passou a pesquisar as condições das prisões não só na cidade como em outras regiões do Brasil.

Em 1974, o Juiz da Vara das Execuções Criminais da comarca, Sílvio Marques Neto, verificando a necessidade em se disponibilizar novas vagas para detentos em sua comarca, preferiu transferir a gerência do presídio de Humaitá, situado em sua comarca, para a equipe liderada pelo Mário Ottoboni.

A equipe, então, instituiu a apac, sociedade sem fins lucrativos, cujo objetivo maior era o de recuperar o preso através de um método de valorização humana, protegendo a sociedade e promovendo a justiça. Logo em seu início, a apac aceitou o desafio de reformar a prisão de Humaitá e geri-la, com o suporte da comunidade e sem, praticamente, nenhum ônus para o Estado, que ficou encarregado em arcar com os custos da energia elétrica, alimentação e água no presídio, ao mesmo tempo em que dispensou a presença de policiais e carcereiros no presídio.

Os voluntários se orientavam por uma escala de emenda dividida em três estágios (fechado, semi-aberto e aberto). Tais estágios tinham por função possibilitar ao detento, com base em uma escala ascendente em credibilidade, buscar uma maior ressocialização até chegar ao último estágio que é o regime aberto em que o mesmo pode residir em casa e assumir um trabalho externo, obrigando-se, apenas, a se apresentar diariamente à prisão por um breve momento.

Na metodologia empregada o detento passa a ser chamado de recuperando e a ele, são disponibilizados serviços de igual nível a uma pessoa comum, tais como: individualizar o tratamento como recomenda a lei; proporcionar assistência material, psicológica, médica, odontológica, jurídica e educacional; utilizar a religião, com liberdade de culto, como principal instrumento para a recuperação pretendida, visando a eliminar o criminoso e salvar o homem; oferecer condições para que o preso ajude o próprio preso; aplicar os regimes progressivos nas dependências da mesma unidade, o que facilita a permanência do condenado junto aos familiares ao longo do cumprimento de toda a pena, acompanhado do voluntariado local, assim como sua reintegração na sociedade.

O método da apac, devido aos bons resultados obtidos, tem sido aplicado não só em outras regiões do país, mas também do mundo.

Segundo resultados obtidos com a aplicação do método, os índices de reincidência são inferiores a 5%, enquanto que no sistema de aprisionamento comum chega a 86%.

Atualmente são, aproximadamente, 100 unidades com o método em todo o território nacional, e várias já foram implantadas em outros países, como as apac’s de Quito e Guaiaquil, no Equador; Córdoba e Concórdia na Argentina; Arequipa, no Peru; Texas, Wiora e Kansas, nos eua; e muitas outras estão em fase de implantação em países como África do Sul, Nova Zelândia, Escócia etc.

Em 1986, a apac filiou-se à Prision Fellowship International - pfi, órgão consultivo da onu para assuntos penitenciários. Desde então, o método passou a ser divulgado com sucesso em todo o mundo.

 

Fundamentos do Método apac

 

O Método apac é baseado em 12 fundamentos, sendo que a efetividade do método está intrínsecamente ligado ao sucesso quanto à aplicação dos fundamentos, de forma integrada.

Pode-se, então, elencá-los:

 

1. A participação da comunidade

 

No Método apac, a participação da comunidade é fundamental. Neste sentido e, de acordo o artigo 4° da Lei de Execução Penal, é disposto que “O Estado deverá recorrer à cooperação da comunidade nas atividades de Execução da Pena e da Medida de Segurança”.

 

2. O Recuperando ajudando o Recuperando

 

No Método apac existe uma preocupação em se criar um espírito de equipe entre um recuperando e outro.

Neste sentido, o recuperando passa a perceber senso de valores, não apenas com si, mas com os outros recuperandos, despertanto a necessidade em se cultivar um sentimento de ajuda mútua e colaboração.

Desta forma, busca-se o sentido de ajuda como acudir o irmão que está doente, ajudar os mais idosos etc.

Outra vertente de ação do Método apac é tanto a melhora na disciplina carcerária como na segurança do presídio. Neste sentido, o Método apac adota a Representação da Cela e o Conselho de Sinceridade e Solidariedade – CSS.

Segundo Guimarães Júnior15 a representação da cela propicia a disciplina e a harmonia entre os recuperandos, a limpeza e higiene pessoal da cela, o treinamento de líderes, uma vez que a representação é dividida entre os próprios recuperando, acentuando o rompimento do “código de honra” existente entre a população prisional, em que os mais fortes subjugam os mais fracos.

O Conselho de Sinceridade e Solidariedade é um órgão auxiliar da administração da apac. O presidente do css é escolhido pela diretoria da apac e os demais membros são escolhidos pelo presidente, de acordo com a população prisional. Sem poder de decisão, o css colabora em todas as atividades, opinando acerca da disciplina, segurança, distribuição de tarefas, realização de reformas, promoção de festas, celebrações, fiscalização do trabalho para o cálculo de remição de pena etc.

Semanalmente o css reúne-se com toda a população prisional sem a presença de membros da apac, para discutir as dificuldades que estão encontrando, buscar soluções para os problemas encontrados e reivindicar da diretoria medidas que possam ajudaá-los a tornar harmonioso e saudável o ambiente prisional.

 

3. Trabalho

 

Segundo o Método apac, o trabalho é importante, mas não constitui-se no único instrumento a ser utilizado para que o apenado possa ressocializar-se.

Segundo o citado método, o regime fechado é o tempo para a recuperação, o semi-aberto para a profissionalização e o aberto, para a inserção social. Desta forma, de acordo com a fase de cumprimento da pena, o trabalho cumprirá a sua missão de ressocialização do apenado de forma diferenciada.

No regime fechado, o Método apac prega o uso de trabalhos artesanais para o apenado, de forma a trazê-lo para um estado de consciência mais relaxado, em que o ódio e o sentimento de vingança dão lugar à criatividade e a reflexão.

Segundo Guimarães Júnior16

 

O Método apac recomenda os trabalhos laborterápicos (artesanatos) para o regime fechado, pois nesta fase é necessário a descoberta dos próprios valores do recuperando para que ele possa melhorar sua auto-imagem, valorizar-se como ser humano, transformar o próprio coração, torna-lo acolhedor, tolerante e pacífico, capaz de perdoar e em condições de, com perfeição, filtrar as mensagens que recebe rejeitando as negativas. Se não houver esta reciclagem dos valores não terá sentido dar serviço ou forçar o trabalho, porque ele vai ser um eterno revoltado. Estes trabalhos artesanais são tapeçaria, pintura de quadros a óleo, pintura de azulejos, grafite, técnicas em cerâmica, confecção de redes, toalhas de mesa, cortinas, trabalhos em madeira e muito mais, permitindo ao recuperando exercitar a sua criatividade, a reflexão sobre o que está fazendo.

 

Já no regime semi-aberto, o Método apac orienta que o apenado deva se preparar de modo a capacitar-se para uma futura profissão.

Levando-se em conta as facilidades que a Lei de Execução Penal disponibiliza em termos de estudo para o apenado, o mesmo é encaminhado para cursos de sapataria, padaria, alfaiataria, oficina mecânica etc.

Tal ação visa a possibilitar ao apenado o reinício do convívio social e uma visita periódica ao seu núcleo afetivo. Em termos emocionais esta fase é determinante para o sucesso do método.

 

4. Religião

 

A religião no Método apac também constitui-se em instrumento de ressocialização, na medida em que é importante que o apenado descubra a importância de amar e ser amado, de se ter Deus como referência, um amigo, independente do credo.

5. Assistência Jurídica

 

A assistência jurídica processual é uma das maiores necessidades do apenado.

Segundo Guimarães Júnior17, 95% da população prisional brasileira não possui condições de contratar um advogado, especialmente na fase de execução penal, a mais crítica.

Vale salientar que a assistência jurídica disponibilizada pela apac é destinada somente aos apenados que estão submetidos ao Método apac.

 

6. Assistência à Saúde

 

O Método apac tem por objeto, também, disponibilizar serviços odontológicos, médicos, psicológicos, dentre outros, de modo que o apenado tenha condições dignas de viver mesmo na prisão. Tal ação, previne revoltas e problemas de stress que possam vir consorciados com o problema físico e mental, fazendo com que o apenado fique mais confortável, mesmo estando num ambiente hostil como é a prisão.

Os problemas de saúde no ambiente carcerário são inúmeros, iniciando numa simples dor de dente até problemas crônicos e graves como é o hiv.

O acompanhamento médico e psicológico do apenado é fundamental para que o mesmo se sinta mais seguro quanto à sua recuperação e aceitação social.

 

7. Valorização Humana

 

Como bem observa Guimarães Júnior18

 

O Método apac tem por objetivo colocar em primeiro lugar o ser humano, e nesse sentido todo o trabalho deve ser voltado para reformular a auto-imagem do homem que errou. Chamá-lo pelo nome, conhecer sua história, interessar-se por sua vida, visitar sua família, atendê-lo em suas justas necessidades, permitir que ele se sente à mesa para fazer as refeições diárias e utilize talheres, tais medidas, dentre outras, adotadas pelo Método ajudam o recuperando a descobrir que nem tudo está perdido.

 

Tanto a educação como o estudo têm atenção especial no Método apac.

Voluntários com trabalhos psicopedagógicos junto aos recuperandos, procuram desenvolver trabalhos de reflexão, em que se busca estabelecer projetos de vida, as causas que o levaram à criminalidade, a valorização do ser humano e tudo o que leve à melhora de sua auto-estima e auto-confiança.

 

8. A Família

 

Para a recuperação do preso faz-se necessário não apenas uma atenção à pessoa do recuperando mas também à sua família.

Não basta disponibilizar todo um trabalho de recuperação quando, muitas vezes, a fonte dos problemas do recuperando está em sua família.

Assim, o Método apac oferece aos familiares Jornadas de Libertação com Cristo (retiros espirituais) e cursos de Formação e Valorização Humana buscando ainda proporcionar todas as facilidades possíveis para o estreitamento dos vínculos. Aos familiares é dada orientação sobre a forma de se relacionarem com os recuperandos, evitando assuntos que provoquem angústia, ansiedade e nervosismo.

É adotado, também, no Método apac as visitas íntimas familiares, feitas de forma organizada e bem elaborada para se evitar os inconvenientes relacionados à imoralidade, promiscuidade, agenciamento de mulheres e falta de respeito à equipe de voluntários. O encontro íntimo familiar objetiva manter os laços efetivos da família e, como consequência, diminui a tensão no presídio, pois oferece ao condenado a segurança de que ele continua a ser o chefe de família.

Como visto, o Método apac visa a assistir às vítimas e às suas famílias.

 

9. O Serviço Voluntário

 

Os voluntários da apac vivem de contribuições da comunidade. Desta forma, a comunidade desempenha um papel fundamental no êxito do processo.

Os voluntários são primeiramente treinados participando de um curso de formação de voluntários, normalmente desenvolvido em 42 aulas de 1:30 hs de duração cada uma, durante o qual conhece a metodologia e desenvolve suas aptidões para exercer este trabalho com eficácia e observância de um forte espírito comunitário. Após algum tempo de atuação o voluntário participa de cursos de reciclagem e aperfeiçoamento dentro dos vários setores de atuação do método, tais como: relacionamento com as autoridades, com os recuperandos e entre a equipe etc.

Às pessoas que trabalham na área administrativa é que é prevista uma remuneração fixa. A apac vive de contribuições mensais de seus sócios (colaboradores da própria comunidade) e de algumas doações de empresas e admiradores, portanto, no sistema comum o Estado gasta mensalmente a média de R$ 1.200,00 com cada preso e o custo apac é de apenas R$ 350,00 por pessoa.

Os voluntários também podem ficar incumbidos de serem casais padrinhos, ou seja, um casal oriundo do matrimônio ou formado por pessoas solteiras ou viúvas, realizam a tarefa de ajudar o recuperando a refazer as imagens desfocadas, negativas do pai, da mãe ou de ambos, com fortes projeções na imagem de Deus.

 

10. Centro de Reintegração Social - CRS

 

Levando-se em consideração ao que versa os artigos 91 e 92 da Lei de Execução Penal, o cumprimento da pena em regime semi-aberto em colônia agrícola, industrial ou similar, a apac criou o Centro de Reintegração Social com o objetivo de disponibilizar um local para que o recuperando possa preparar-se com mais eficácia em sua reinserção social.

Desta forma, a apac criou o crs com dois pavilhões básicos, um destinado ao regime semi-aberto e o outro ao regime aberto, não frustrando, portanto, a execução da pena.

Uma das grandes vantagens do crs é sua localização, em virtude de que está disposto próximo ao núcleo afetivo do recuperando tais como: família, amigos, parentes, facilitando a formação de mão-de-obra especializada, favorecendo, assim, a reintegração social, respeitando a lei e os direitos do condenado.

O apoio logístico e moral obtido junto ao núcleo familiar, possibilitará ao recuperando um menor risco de reincidência e uma maior probabilidade de recuperação.

 

11. Mérito

 

A legislação brasileira, quanto ao cumprimento de pena, adota a progressividade como modelo. Neste sentido, tal método apregoa que a conduta do condenado quanto em prisão, deve sobrepor-se ao tempo em que o mesmo deva estar aprisionado, em outras palavras, a Justiça deve ater-se mais à conduta do apenado na prisão, se o mesmo tem bom comportamento e relacionamento, aptidão a desenvolver um caráter melhor e conhecimentos que o levem a desenvolver uma nova profissão quando em liberdade ao invés de ater-se somente ao tempo de reclusão para justificar uma possível liberdade.

O Mérito para a apac, é um conjunto de todas as tarefas exercidas, bem como as advertências, elogios, saídas etc.

Tais ações, ficam registradas na pasta-prontuário do recuperando, tornando-se um referencial do mesmo. Não basta que ele seja obediente às normas disciplinares. O Método deseja ver o recuperando prestando serviços em toda a proposta socializadora, como representante de cela, como membro do css, na faxina, na secretaria, no relacionamento com os companheiros, com os visitantes e com os voluntáiros. Não se trata apenas de uma conduta prisional, mas de um atestado que envolve o mérito do cumpridor da pena.

Ainda, quanto ao Mérito, é criada uma Comissão Técnica de Classificação, composta de profissionais ligados à metodologia para classificar o recuperando quanto à necessidade de receber tratamento individualizado, seja para recomendar quando possível e necessário, exames exigidos para a progressão de regimes e, inclusive, de periculosidade e insanidade mental.

 

12. Jornada de Libertação com Cristo

 

A Jornada de Libertação com Cristo constitui-se num encontro dos recuperandos em um lugar isolado e tem por finalidade permitir ao recuperando refletir sobre sua vida.

Como bem observa Guimarães Júnior19

 

A Jornada nasceu da necessidade de se provocar uma definição do recuperando quanto à adoção de uma nova filosofia de vida, cuja elaboração definitiva demorou quinze anos de estudos, apresentando uma sequência lógica, do ponto de vista psicológico, das palestras, testemunhos, músicas, mensagens e demais atos, com o objetivo precípuo de fazer o recuperando repensar o verdadeiro sentido da vida.

 

São duas as etapas da Jornada. Na primeira, tem-se a preocupação em revelar Cristo aos recuperandos. É apresentada e discutida a parábola do filho pródigo e há um encontro entre os recuperandos e seus familiares, algo bastante emocionante para todos.

Na segunda etapa, o recuperando é levado a refletir sobre a sua vida, Deus e seu relacionamento com o semelhante.

 

13. Resultados alcançados pela apac

 

Em uma pesquisa realizada às instalações da apac em Itaúna/MG, entre 02 de março a 06 de julho de 2002, verificou-se os recuperandos encontravam-se em uma situação de quase liberdade.

As chaves do presídio, ou seja, do portão de entrada, das celas e dos alojamentos eram guardadas pelos próprios recuperandos e que não existiam policiais nem agentes carcerários no presídio. As celas eram limpas e organizadas, assim como os pátios, os refeitórios e as oficinas. As paredes eram pintadas e os recuperandos apresentavam-se esperançosos e dispostos a provar para a comunidade que se recuperaram ou já estavam se recuperando realmente.

Uma das funções primordiais da apac é a de atuar na área de execução da pena, suprindo o Estado na preparação do preso para o seu retorno ao convívio social, buscando a participação da sociedade para a ajuda necessária ao seu processo de ressocialização. Pode-se elencar os níveis de atuação da entidade:

a. Órgão auxiliar da Justiça na execução da pena;

b. Protetor da sociedade: preparando convenientemente o preso para voltar ao convívio social;

c. Proteção aos condenados, no sentido dos direitos humanos e, de assistência nos temos do que prevê a lei, estendendo-se o trabalho no que couber, aos seus familiares. Com mais de três décadas de aplicação, apesar de ainda pouco conhecido no país, apresenta-se como comprovadamente eficiente na recuperação e ressocialização do condenado.

 

V. O Trabalho como instrumento de Ressocialização do Apenado

 

A ociosidade no apenado provoca mais revolta e ideias que motivam aos mesmos recorrerem a tentativas de fuga e motins.

Nesta perspectiva, o governante deve estar sensível à iniciativas em que se procura disponibilizar ao apenado condições de se capacitarem segundo as demandas do mercado de trabalho externo.

Como bem apresenta Oliveira20,

 

O encarceramento, além de levar a uma ruptura social, provoca também inegáveis malefícios a esses sujeitos, há uma ruptura da vida civil. O apenado perde ou vê fragilizados os papéis que representa no mundo social e sua identidade sofre uma despersonalização por efeitos do aprisionamento.

 

Ainda, pode-se acrescentar sobre o trabalho disponibilizado aos apenados que

 

A proposição de um conceito de ressocialização de detentos, lastreado pelo trabalho e pela qualificação profissional, com o propósito de se adotar políticas mais eficientes de combate a estes déficits, baseia-se na afirmação inquestionável que o trabalho é fonte de equilíbrio na nossa sociedade e também como agente ressocializador nas prisões do mundo todo [...] Por meio do trabalho os indivíduos garantem equilíbrio e melhor condicionamento psicológico, bem como melhor comprometimento social21.

 

A busca pela formação profissional possibilita o resgate da auto-estima, o respeito à lei, a promoção do desenvolvimento humano e a cidadania.

Ainda, a formação profissional fortalece os vínculos familiares, tanto com o recuperando em regime semi-aberto quanto com as pessoas de laços consangüíneos, consolidando a volta ao convívio familiar após o cumprimento da sentença judicial.

A obtenção da qualificação profissional pelo detento pode significar, além de maiores chances de inclusão no mundo do trabalho, uma auto-referência para direcionar suas vidas e ampliar seu leque de escolhas.

Ainda, pode-se dizer que

 

O grande desafio do setor público é implementar ações em parceria com as instituições qualificadoras para ofertar cursos que corrija o déficit social que impacta negativamente na inserção de homens e mulheres que estão à margem da sociedade coordenando as políticas voltadas para o desenvolvimento social e humano dos setenciados das unidades prisionais e promovendo articulações de intercâmbio, cooperação técnica e integração de trabalho, órgãos públicos, particulares e ongs, com vistas à inserção social dos presos, seus familiares, egressos e beneficiários22.

 

Como bem acrescenta Foucault

 

A educação do detento é, por parte do poder público, ao mesmo tempo uma preocupação indispensável no interesse da sociedade e uma obrigação por parte do detento23.

 

Em uma reportagem veiculada no Jornal do Comércio de Pernambuco, é possível perceber que, mesmo com um presídio superlotado é possível se ter uma convivência digna

O presídio modelo Juiz Plácido de Souza em Caruaru, Pernambuco, conta com 287 apenados, cujo local suportaria, teoricamente, somente 50.

Outros presídios do mesmo Estado contam com um ambiente de presos proporcionalmente menor, mas o ambiente é conturbado, com inúmeras rebeliões e fugas.

Segundo o Diretor do Presídio o segredo é não ter tempo ocioso para o educando, segundo ele.

Há no presídio, atualmente, vários presos fazendo tapetes, 10 confeccionando buchas, outos costurando bolas, 45 dedicados ao artesanato, quatro tecendo redes, cinco fazendo sandálias, 10 bordando toalhas e um tricotando. Outros 21 detentos são concessionados e trabalham em atividades administrativas.

Vale salientar que todas as decisões da direção do presídio para com os presos é tomada em assembleias24.

Com um ano de trabalho, o detento tem 4 meses de redução da pena.

O presídio conta ainda com uma panificadora que fabrica 3.500 pães por dia e uma capela em que são realizados cultos e que foi construída pelos próprios detentos.

Uma rádio comunitária do presídio ajuda aos detentos relaxarem25.

 

VI. A Parceria, Terceirização e a Privatização no Sistema Prisional Brasileiro

 

Além da capacitação, uma proposta de ressocialização importante para o apenado é o de parcerias com entidades externas ao Sistema Prisional Brasileiro.

Diz o art. 4º da Lei de Execuções Penais:

 

Art. 4º. O Estado deverá recorrer à cooperação da comunidade nas atividades de execução da pena e da medida de segurança.

 

Assim, segundo o artigo 4º da citada lei, a legislação prevê que o Estado possa recorrer à cooperação da comunidade e porque não a uma terceirização, de forma a procurar tornar os serviços oferecidos ao sistema prisional mais eficiente.

Tais parcerias, a priori, normalmente, envolvem organizações não governamentais, entidades filantrópicas e líderes religiosos. Porém, tais entidades dependem de financiamento externo, principalmente os repassados pelo Estado que, no entanto, muitas vezes não honra com seus compromissos.

Ainda hoje, são poucos estabelecimentos prisionais que contam com estas parcerias, contudo, faz-se necessário que a amplitude de ações aumente com o intuito de alcançar as reais necessidades, tanto da população carcerária como do Estado em geral.

Como apresenta Costa e Amaral

 

A vantagem da parceria é que ela está longe da radical proposta de privatização dos estabelecimentos penitenciários. Não se trata de uma proposta de retirar do Estado a administração penitenciária, mas sim reforçar a presença de parceiros aptos para cooperar na busca de resultados positivos, seja durante a execução da pena, seja na reinserção do recluso depois do cumprimento de sua pena26.

 

Os serviços passíveis de terceirização envolvem os chamados “serviços meio” como a construção e manutenção dos estabelecimentos prisionais, fornecimento da alimentação, assistência social, jurídica, médica, psicológica, educação e ensino técnico-profissionalizante, atividades de recreação, esportivas e trabalho.

Cabendo ao Poder Público o monopólio da execução penal, caberia a empresas terceirizadas a delegação das citadas atividades meio.

Desta forma, a gestão operacional dos presídios caberia ao Estado e a gestão material à empresa terceirizada ou contratada através de licitação.

Os defensores da idéia de terceirização do sistema prisional alegam que, com o maior investimento nos estabelecimentos prisionais e, por conseguinte, na melhora dos serviços oferecidos, haveria uma clara tendência de diminuição da violência das unidades penitenciárias e as chances de regeneração dos presos seria muito maior que a existente.

Quanto aos críticos da idéia, estes argumentam que há um substancial aumento dos custos prisionais, a fiscalização dos serviços oferecidos é insuficiente e o quantitativo de funcionários contratados para os serviços ficam aquém do ideal.

Em relação à privatização, os defensores alegam que os custos cairiam em função da maior eficiência das leis de mercado.

Os críticos alegam que seria justamente o contrário. Na obra de Porto27 revela que o custo médio para a manutenção do preso no Brasil é de 3,5 salários mínimos por mês em São Paulo, ou seja, de R$ 742,05 (setecentos e quarenta e dois reais e cinco centavos) em 2007.

Já no Estado de Minas Gerais, uma reportagem do Jornal Estado de São Paulo, destaca que o custo de manutenção de um preso nos presídios do Estado seria de cerca de R$ 2,2 mil (dois mil e duzentos reais), segundo cálculos da iniciativa privada28.

Assim, a questão da privatização é um tema delicado, na medida em que se disponibilizar serviços cuja execução constitucionalmente é reservado ao Estado e, neste caso, há uma expectativa de repassá-lo à iniciativa privada, pode-se piorar sobremaneira tal cenário em virtude de um interesse visível em relação ao lucro em detrimento da causa social que tal tema suscita.

 

Conclusão

 

Acredito que o trabalho tenha alcançado o seu objetivo na medida em que se estudou a problemática da ressocialização do apenado no Sistema Penitenciário brasileiro e analisou-se as possíveis soluções para o cenário encontrado.

Sabe-se que a temática da ressocialização do apenado não é apenas um problema do país, mas do mundo.

Mesmo nações mais desenvolvidas e tecnologicamente mais avançadas sofrem com o problema da reincidência de seus ex-apenados. No Brasil são poucos os presídios que contam com métodos e infra-estrutura adequada para ressocializar os apenados.

O trabalho além de analisar lacunas do Sistema Penitenciário brasileiro, preocupou-se em também analisar possíveis soluções, inclusive já em implantação no Brasil e em outros lugares do mundo, como é o caso da apac e do presídio modelo Juiz Plácido de Souza de Caruaru, Pernambuco.

É fato que, um clima de diálogo aberto entre os detentos e a diretoria dos presídios, em que os mesmos possam expressar suas vontades e sonhos e, dentro das possibilidades, o Sistema Penitenciário possibilitar uma nova vida para estes apenados, todos ganham, inclusive a sociedade, tendo em vista que as chances do ex-detento reincindir são mínimas como provam as pesquisas da apac e do Presídio Juiz Plácido de Souza em Caruaru.

 

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3 Victor Kautzman Torres. Prevención del delito y tratamiento al delincuente em Cuba revolucionaria, La Habana, Ciências Sociales, 1988, p. 12.

4 Pablo Fajnzylber, Daniel Lederman e Norman Loayza. Crimen y victimización: una perspectiva económica, Bogotá, Banco Mundial y Alfa y Omega, 2001, p. 11.

5 Eugenio Raúl Zaffaroni. Manual de derecho penal-parte general, 2.ª ed., Buenos Aires, Ediar, 2010, p. 88.

6 Luiz Régis Prado. Bem jurídico-penal e constituição, 3.ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2003, p. 82.

7 Claus Roxin. Derecho penal: parte general, t. I, Fundamentos. La estructura de la teoria del delito, Madrid, Civitas, 2003, p. 56.

8 Rodrigo Sánchez Ríos. O crime fiscal, Porto Alegre, Sérgio Antônio Fabris Editor, 1998, p. 41.

9 Claus Roxin. Derecho penal: parte general, cit., pp. 55 a 58.

10 Juan María Terradillos Basoco. “Globalización, administración y expansión del derecho penal económico”, en: Juan María Terradillos Basoco e María Acale Sánchez. Temas de derecho penal económico-III Encuentro Hispano-Italiano de Derecho Penal Económico, Madrid, Editorial Trotta, 2004, p. 235.

11 Jesús-María Silva Sánchez. A expansão do direito penal: aspectos da política criminal nas sociedades pós-industriais, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2002, p. 58.

12 Daniel Addor Silva. Política Criminal como política pública: função social do direito penal, XVII Congresso Nacional do conpedi. Brasília, DF, 2008.

13 Geraldo Francisco Guimarães Júnior. Associação de proteção e assistência aos condenados: solução e esperança para a execução das penas, São Paulo, Jus Navigandi, 2003.

14 Idem.

15 Guimarães Júnior. Associação de proteção e assistência aos condenados, cit., p. 7.

16 Guimarães Júnior. Associação de proteção e assistência aos condenados, cit., p. 7.

17 Guimarães Júnior. Associação de proteção e assistência aos condenados, cit., p. 8.

18 Ibid., p. 9.

19 Guimarães Júnior. Associação de proteção e assistência aos condenados, cit., p. 12.

20 Quésia Da Cunha Oliveira, Regiane Kieper Do Nascimento e Regina Célia Vieira Ragassi. Ressocialização de apenados por meio da qualificação profissional: Centro de formação profissional para recuperandos em regime semi aberto – cefop, p. 2.

21 Ana Margarete Lemos, Cláudio Mazilli, Luís Roque Klering. “Análise do trabalho prisional: um estudo exploratório”, RAC, v. 2, n. 3, Set/Dez., Vitória, 1998.

22 Oliveira, e Ragassi. Ressocialização de apenados por meio da qualificação profissional..., cit., p. 4.

23 Michel Foucault. Vigiar e Punir: nascimento da prisão, L. M. P. Vassalo (trad.), Rio de Janeiro, Vozes, 1984, p. 224.

24 Jornal do Comércio de Pernambuco. “Uma cadeia de contradições: presídio de Caruaru é modelo”, disponível em [www2.uol.com.br/JC/_2000/0506/cd0506d.htm], acessado em 14 de Setembro de 2011.

25 Folha de Pernambuco. “Penitenciária de Caruaru serve de modelo”, disponível em [www.folhape.com.br/index.php/cadernoesportes/577054-penitenciaria-de-caruaru-serve-de-modelo], acessado em 14 de Setembro de 2011.

26 Lídia Mendes Da Costa e Marilda Ruiz Andrade Amaral. Parceria, terceirização, privatização e ressocialização: que relação é essa?, disponível em [http://intertemas.unitoledo.br/revista/index.php/ETIC/article/viewFile/2241/2285], p. 7.

27 Roberto Porto. O crime organizado e sistema prisional, São Paulo, Atlas, 2007.

28 Folha de São Paulo. Editorial de 04 de dez de 2007, Caderno C3, fls. 04.